Comissão da verdade deve ter poderes plenos, defende Garzón

Para que funcione de modo efetivo, uma comissão instaurada para investigar crimes cometidos no passado deve gozar de poderes plenos e não sofrer nenhum tipo de impedimento que bloqueie o acesso à história, defende o juiz espanhol Baltasar Garzón. “Uma comissão da verdade deve ter acesso a todos e cada um dos documentos, pessoas, circunstâncias, testemunhos, vítimas que possam resultados em implicações”, defendeu.

O juiz espanhol Baltasar Garzón está em Porto Alegre a convite do governador do Estado, Tarso Genro

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Garzón está nesta terça-feira em Porto Alegre, onde, a convite do governador Tarso Genro (PT), ministrará uma palestra sobre democracia e direitos humanos. Conhecido mundialmente pelo combate à corrupção e aos crimes da ditadura na Espanha, o juiz enfatizou o caráter pleno da investigação de comissões responsáveis pelo estabelecimento de verdades históricas e pelo caráter obrigatório que tal comissão deve possuir para garantir a apuração devida dos crimes cometidos contra a sociedade.

“Se se opta pela criação de uma comissão da verdade, essa comissão da verdade deve ter poderes plenos para precisamente estabelecer a verdade. Se se estabelecem recortes ou âmbitos em que (a comissão) não possa penetrar ou acessar, essa verdade reparadora para o Estado, para as vítimas, para a sociedade em geral, não seria exatamente uma comissão”, argumentou. “Entendo que uma comissão da verdade tenha de ser de componentes obrigatórios: se se deixa meramente à vontade de cooperação das pessoas ou das instituições, perde muito seu sentido”.

A afirmação tem significado particular para o atual momento brasileiro. Em maio deste ano, instalou-se oficialmente a Comissão da Verdade, que terá até 2014 para investigar as violações de direitos humanos ocorridas entre 1946 e 1988. A Comissão, formada por sete integrantes auxiliados por um grupo de 14 pessoas, é resultado de uma longa negociação para se investigar os crimes durante a ditadura militar (1965-1985) – processo em que o Brasil, comparado com seus vizinhos latino-americanos -, se encontra particularmente atrasado. A Comissão da Verdade, ainda que represente um grande avanço, sofre críticas por ser limitada, por exemplo, pela Lei da Anistia.

Na visão de Garzón, a investigação de crimes deve ser baseada num tríplice eixo baseado na busca pela verdade, a reparação às vítimas e à instauração da justiça (isto é, o julgamento e, se for o caso, a criminalização dos devidos responsáveis). “Eu sempre me caracterizei por reivindicar a ação da justiça como um dos aspectos fundamentais dos três que integram o direito das vítimas à verdade, à reparação e à justiça. Deveria haver, em qualquer país, esta opção”.

No caso brasileiro se optou “pela verdade histórica e pela reparação coletiva que isso supõe”, à revelia – pelo menos até o momento – da justiça. É o mesmo que ocorre na Espanha onde, lembrou, não foi permitida investigação devida dos crimes cometidos durante a ditadura do general Francisco Franco (1939-1976). A Argentina, por sua vez, se encontra num estágio avançado de julgamento dos crimes do seu período ditatorial; Garzón a vê como um “protótipo” da “proeminência à justiça sobre os outros âmbitos”.

“Se queremos fazer uma sociedade muito mais participativa, uma democracia muito mais participativa, esta tem que ser essencialmente transparente, e, portanto, não pode haver sombra alguma de dúvida”, defendeu. “O princípio fundamental é que nenhuma norma de um país democrático pode ser interpretada em sentido favorável à impunidade ou à ausência de possibilidade de perseguição de condutas tão graves como a da corrupção.”

Às 18h, Garzón palestrará no Ministério Público do Estado, em Porto Alegre, sobre Direitos Humanos, Desenvolvimento e Criminalidade Global. O juiz será homenageado com a Comenda da Ordem do Ponche Verde, mais alta condecoração oficial do RS. No evento, Genro deve formalizar a criação da Comissão da Verdade local, análoga regional da Comissão da Verdade nacional.

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Fonte – Terra

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