Essas considerações tornam-se oportunas neste momento em que, por decisão unânime, a 2ª. Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª. Região, sediada no Rio de Janeiro, negou habeas corpus a cinco militares acusados, com base em elementos concretos, do assassinato, mediante tortura, do ex-deputado Rubens Paiva e da ocultação de seu cadáver. A decisão dos eminentes julgadores tem sólido fundamento jurídico. Com efeito, o Brasil aderiu à Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, aprovada pela ONU em 1984 e ratificada pelo Brasil em setembro de 1989. Além disso, o Brasil aderiu também à Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, aprovada pela Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos em 1985 e ratificada pelo Brasil em 1989.
Em termos de legislação interna, a simples leitura de vários artigos da Constituição deixa fora de qualquer dúvida que a prática de tortura configura crime, pois, no caso dos militares que são réus no processo aqui referido, eles agrediram a ordem constitucional brasileira, de modo geral, e, mais especificamente, a instituição militar de que faziam parte e em cujas dependências praticaram as ações criminosas. Diz a Constituição, no artigo 5º, inciso XLIV, que “constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático”. Tratava-se, no caso, de um grupo armado, de natureza militar, devendo-se assinalar que a Constituição não faz distinção entre grupo armado civil ou militar. Tratava-se, no caso, de um grupo que tinha superioridade de armas por integrar uma instituição militar e que se valia dessa circunstância para praticar violências, afrontando a Constituição e as leis do país e também as disposições normativas da própria instituição militar.
Quanto à eventual pretensão de que esteja prescrita a punibilidade, há dois argumentos que deixam evidente a existência de barreiras legais à pretendida prescrição. Antes de tudo, em vários casos a Corte Interamericana de Direitos Humanos, em reiteradas decisões, assinalou que a prática de tortura configura crime contra a humanidade. Na sequência desse reconhecimento a mesma Corte também decidiu, reiteradamente, que o crime de tortura não é anistiável e, além disso, não é prescritível. Quanto a esta questão jurídica, a prescritibilidade, é de fundamental importância ressaltar aqui uma disposição expressa do Código Penal Brasileiro, devendo-se ter em conta que nos casos como o do deputado Rubens Paiva a prática de tortura, que levou à sua morte, conforme elementos concretos de prova já reunidos, teve sequência na ocultação de seu cadáver.
Assim, há nesse caso um conjunto de circunstâncias que compõem uma unidade criminosa, incluindo o assassinato e a ocultação do cadáver. E o Código Penal estabelece, no artigo 211, que é crime “ocultar cadáver”, dispondo, no artigo 111, que ”a prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, começa a correr: … III. Nos crimes permanentes, do dia em que cessou a permanência”. Como é óbvio, tendo ocorrido nesse caso, como ocorreu, a ocultação de cadáver do deputado Rubens Paiva, o prazo para a prescrição começará a ser contado no dia em que cessar a ocultação, ou seja, no dia em que os autores do crime revelaram onde está o cadáver ou que fim deram a ele. Assim, em conclusão, tem o mais sólido fundamento jurídico a negação do habeas corpus com o consequente prosseguimento da ação penal contra os acusados, não havendo como sustentar a alegação de prescrição, pois não foi sustada a permanência do crime de ocultação de cadáver.
Fonte – Jornal do Brasil