O caso de 15 índigenas da etnia suruí que teriam sido explorados por militares na busca a guerrilheiros do Araguaia
A Comissão de Anistia julgará na próxima sexta-feira o pedido de indenização de quinze indígenas da etnia suruí, do Pará, que relatam terem sido vítimas da ditadura. Os índios contam que foram usados pelos militares durante a Guerrilha do Araguaia, onde o Exército enfrentou guerrilheiros do PCdoB, entre 1972 a 1975, no sul do Pará. Eles foram usados pelas tropas como guias nas matas, para se chegar ao paradeiro dos guerrilheiros, mas afirmam que eram obrigados a esse trabalho e que sofreram maus tratos, tortura e ficavam sem comida e água, além de impedidos de dormir.
“Em sua ingenuidade, foram obrigados a trabalhar para as tropas, abandonando suas famílias, suas roças, a caça, sua cultura e seu modo de vida, Além de trabalharem por mais de dois anos para os militares, tiveram sua cultura totalmente desrespeitada, foram proibidos de gerar filhos, pois foram ameaçados de, em caso de crianças provocarem barulhos, seriam enterradas vivas. Andavam o dia todo com muito peso nas costas e à noite eram impedidos de dormir, isto é, podiam dormir desde que sentados para vigiar o acampamento dos soldados. Eram constantemente maltratados e humilhados com gritos e empurrões, comiam apenas uma vez por dia e à noite, por não poderem fazer fogo, se alimentavam de jabá cru com farinha. Muitas vezes ficavam sem mantimentos esperando que fossem jogados pelos helicópteros”, relata o grupo de índios no pedido protocolado na Comissão de Anistia.
A aldeia dos suruí se mantém até hoje na terra indígena Sororó, em São Domingos do Araguaia. No pedido à comissão, os indígenas, alguns deles ainda analfabetos, equiparam às condições as quais eram submetidos às de escravos.
“As ações militares foram criminosas quando exploraram incapazes como escravos e quase destruíram sua cultura e a perpetuação da etnia. Como se expressam mal, transmitem muito menos do que realmente foi seu sofrimento”, argumentam seus advogados, no pedido à comissão.
Relatos desses índios ao Ministério Público do Pará, em maio de 2013, foram anexados aos processos:
“Aí chegaram os militares. Ficamos lá na aldeia uma hora dessa assim. Era de manhã. Escutamos aquela zoada de helicóptero. Dois deles. Ficamos sentados. Todo índio gosta de esquentar de manhã. Aí assuntemos aquela zoada tê tê tê. E avião ainda por cima. Minha irmã quase desmaiando, ela ficou tremendo”, relatou Waimera Suruí. “Nós éramos alimentados com mão cheia de farinha uma vez por dia e ameaçados o tempo inteiro com armas”, contou à Procuradoria Tawé Suruí.
Os indígenas contam que os guerrilheiros eram apresentados a eles pelos militares como bandidos. “Era ameaça o tempo inteiro, com armas apontadas. Fomos enganados”, relata Umassu Suruí.
“O pessoal do Exército começou a judiar, me deram tanta coronhada de espingarda na minha costela, em todo lado. E eu não queria andar com eles, mas diziam que eu era obrigado porque era índio”, afirmou Egídio Tibacu Suruí.
Os índios pedem indenização mensal à Comissão de Anistia, além de valores retroativos. Eles argumentam que suas atividades de subsistência eram uma atividade laboral. Assim, tiveram seus trabalhos interrompidos e, por isso, querem receber uma prestação mensal, além de contagem do tempo de perseguição para efeitos de aposentadoria.
O presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abrão, afirmou que hoje a maior acúmulo de informações para julgar eventuais perseguições a camponeses e indígenas que foram explorados pelos militares no Araguaia e que são processos bem diferentes dos perseguidos políticos urbanos.
— Minha avaliação é a de que se trata de um caso difícil, no qual temos que levar em conta meios de prova distintos dos usuais perseguidos nos centros urbanos, valorizando-se a história oral e a diversidade de meios repressivos que a ditadura implementou no campo e nas regiões de florestas. É chegada a hora de reconhecermos a história do Brasil desses lugares percebendo o protagonismo de todo o povo brasileiro como um povo vitimado e resistente com a ditadura militar — disse Paulo Abrão.
Até hoje, apenas um indígena, Tiuré Potiguara, foi anistiado e recebeu indenização do governo. Ele foi perseguido, preso e torturado e lutou pelos direitos indígenas. Sua anistia foi aprovada em 2013. O caso dos suruí está sendo analisado também pela Comissão Nacional da Verdade.
Fonte – O GLOBO