Brasil terá nova narrativa sobre ditadura

Especialista fala sobre a importância da Comissão da Verdade e diz que o trabalho do grupo pode ser um divisor de águas no país.

A presidente Dilma Rousseff empossou, nesta quarta-feira, os sete integrantes da Comissão da Verdade. O grupo – escolhido pela própria presidente – terá a missão de esclarecer fatos da época da ditadura no Brasil.

De acordo com o texto sancionado por Dilma, durante dois anos, os membros da Comissão da Verdade vão ouvir depoimentos em todo o país, além de requisitar e analisar documentos que ajudem a esclarecer as violações de direitos cometidas pelo Estado contra os cidadãos. O texto diz ainda que a comissão tem o objetivo de esclarecer fatos e não terá caráter punitivo.

“O Brasil é o último país da América Latina a dar andamento a essa comissão que busca esclarecer os períodos ditatoriais do século 20”, explica o professor Clodoaldo Cardoso, coordenador do Observatório de Educação em Direitos Humanos da Unesp (Universidade Estadual Paulista).

 

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“No caso do Brasil, irá desvendar uma série de crimes contra a sociedade, com objetivo de esclarecer alguns e lembrar outros já solucionados. Tudo isso será formalizado em uma narrativa oficial”, comentou Cardoso. Ainda de acordo com o professor, o Brasil vai reconhecer seus erros daquela época, “como a Alemanha, que reconheceu o Holocausto”, acrescentou.

 

Período negro

A Comissão tem como objetivo apurar ações de repressão que são consideradas crimes em qualquer parte do mundo, como crimes de tortura – o que inclui estupro e abuso sexual, execução sumária, assassinato e ocultação de cadáver.

O professor destaca que o período ditatorial foi um “período negro” e a comissão vai passar isso a limpo e constituir uma narrativa oficial sobre o que realmente aconteceu naquela época. “Se um Estado assume isso é um compromisso para que não ocorra mais, pois, além do julgamento dos acusados, trata-se de crimes imprescritíveis”.

Segundo o especialista, a Comissão da Verdade fortalece as instituições democráticas do Brasil, que vive uma cultura autoritária. Outra mudança significativa será no campo educacional. “Toda essa memória que tem que voltar à tona pode contribuir para a reflexão da juventude atual. Pode aumentar a participação do jovem na sociedade e não deixá-los mais apenas focados em seu sonho pessoal”, acredita Cardoso.

 

Espírito coletivo

“Vai trazer um espírito coletivo, que foi um sonho muito comum na geração de 1960. Isso tem que voltar, senão o Brasil não vai solucionar um dos grandes problemas do país, que é a consolidação da democracia – acabando com a desigualdade, miséria e pobreza extrema; e também superar a cultura autoritária, patrimonial e machista que vivemos atualmente”, reforça.

Ainda para o professor, se o grupo designado para a missão cumprir seu papel, o resultado será um divisor de águas. Inclusive, “vamos mudar até a história contada nos livros escolares”, salienta. “O país que não encara seu passado não avança. Não dá para ir em frente sem ver o passado”, acrescenta.

A comissão pode se refletir também na imagem do Brasil no exterior. “O país tem uma ótima imagem do ponto de vista econômico, mas péssima do ponto de vista social e de direitos humanos”.

Mas, ressalta ele, a Comissão da Verdade só vai atingir plenamente os seus objetivos se a população se envolver.  “Estão sendo criadas, por exemplo, Comissões da Verdade estaduais e municipais, como é o caso de Bauru [interior de São Paulo]. Pode-se também criar centros de memórias e de resistência a qualquer autoritarismo”, completa.

 

A Comissão da Verdade

A Comissão da Verdade será formada por José Carlos Dias (ex-ministro da Justiça), Gilson Dipp (ministro do Superior Tribunal de Justiça), Rosa Maria Cardoso da Cunha (advogada), Cláudio Fonteles (ex-procurador-geral da República), Paulo Sérgio Pinheiro (diplomata), Maria Rita Kehl (psicanalista) e José Cavalcante Filho (jurista).

Segundo Cavalcante Filho, a comissão não terá um presidente. Terá um coordenador e, durante os dois anos de trabalho, todos os membros assumirão, pelo menos uma vez, a coordenação.

Primeiramente, o grupo vai decidir quais são os objetivos, como a comissão vai funcionar e como vai interagir. O primeiro coordenador será o ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça), Gilson Dipp, que vai nomear as pessoas para instalar fisicamente a comissão.

 

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