Leia trecho inédito do segundo volume da biografia de Getúlio Vargas

Livro está programado para ser lançado no início de 2013 e aborda o período de 1930 a 1945

“Por volta de onze e meia da noite daquele 25 de fevereiro de 1932, uma quinta-feira, os habituais frequentadores da praça Tiradentes, mais famoso reduto da boemia carioca à época, tiveram suas atenções voltadas para o som do motor de pesados caminhões que passavam pela rua ali em frente. Sambistas, atores, coristas, músicos e malandros que sempre lotavam os cafés do local até alta madrugada assistiram com surpresa à passagem do comboio composto por três enormes veículos de carga, apinhados de soldados do Exército. Eram cerca de 180 homens fardados. Todos levavam fuzis, pistolas e submetralhadoras em punho.

Revolução de 1930 aproximou Vargas de Flores da Cunha e João Neves da Fontoura. Foto: Sioma Breitman / Divulgação,Companhia das Letras

Os caminhões oficiais _ dois pertencentes à corporação militar e o terceiro identificado mais tarde como sendo do departamento de limpeza pública do Distrito Federal _, contornaram a Tiradentes e margearam lentamente a profusão de dancings, bares, cinemas e teatros que fervilhavam ao redor da praça. Seguiram assim, sem pressa, até estacionarem enfileirados à altura do número 77, onde funcionava a sede do Diário Carioca.

O jornal, que quinze meses antes apoiara com ardor a Revolução de 30 e a consequente chegada de Getúlio Vargas ao poder, passara a publicar artigos e editoriais inflamados a favor da reconstitucionalização do país _ desde novembro de 1930, Getúlio vinha governando por decreto, após a Constituição Federal ter sido declarada suspensa. A maioria desses textos, editados com destaque na primeira pagina do Diário, era assinada pelo diretor de redação, José Eduardo Macedo Soares. Um dos últimos, publicado no dia 24 de fevereiro de 1932, fustigara:

“O regime do sr. Getúlio Vargas fracassou. Primeiro, pela resistência que encontrou no sentimento brasileiro de invencível repugnância a qualquer escravidão política. Segundo, pela insanável incompetência dos homens nos quais se apoiou”.

Macedo Soares, com seus característicos olhos verdes e fundos, de grandes pestanas e pálpebras meio caídas, era um polemista profissional. Em 1912, após chegar ao posto de tenente, largara a Marinha e passara a militar na imprensa, ao fundar seu primeiro diário, O Imparcial, pioneiro na publicação de ilustrações entre os jornais do Rio de Janeiro e crítico sistemático do então presidente Hermes da Fonseca. Ex-deputado federal por três mandatos consecutivos, fora preso por subversão também em três ocasiões, uma delas em 1922, quando ocupara a companhia telefônica de Niterói, encarregado da tarefa de cortar as ligações locais com a capital, onde os insurgentes tenentistas sublevavam o Forte de Copacabana. Mandado para o presídio da ilha Rasa, fugira pela porta da frente, ludibriando os carcereiros, envergando sobre o uniforme de presidiário um terno levado pelo irmão.

Em 1928, Macedo Soares fundara o Diário Carioca, para fazer oposição ao governo de Washington Luís. Pouco depois aderira à Aliança Liberal _ a coalizão de forças que apoiara Getúlio Vargas à presidência da República. Em seguida à vitória do movimento de 1930, começara a criticar os civis e militares abrigados no Clube 3 de Outubro, agremiação fundada no ano seguinte no Rio de Janeiro por representantes do tenentismo. Defensores de um regime forte e autoclassificados como “patriotas enérgicos”, os integrantes do 3 de Outubro 0 o nome do clube era uma homenagem à data do estopim da Revolução de 30 _ pregavam a necessidade de manutenção indefinida do período de exceção, durante a qual o Congresso e os legislativos estaduais deveriam continuar fechados e as prerrogativas individuais e as liberdades civis revogadas. Os “outubristas” argumentavam que uma possível volta à ordem legal apenas serviria para trazer de volta os políticos e a politicalha varridos do poder pela Revolução.

“Foi para realizar a tarefa de renovar o país que se instituiu, em fins de 1930, a ditadura no Brasil”, afirmava um dos mais destacados líderes tenentistas, Juarez Távora, promovido a major pelo governo revolucionário. “Essa obra prévia de desentulho, a ditadura só poderá dar por concluída quando houver separado, criteriosamente, o joio do trigo, os elementos imprestáveis, inadequados ou apodrecidos dos esteios bons que também se encontram sob os destroços da velha ordem”.

Em contraposição ao Clube 3 de Outubro, o Diário Carioca se convertera no baluarte do retorno à ordem constitucional. Suas páginas não cansavam de exigir eleições livres para uma Assembleia Nacional Constituinte, com vistas à elaboração de uma nova Carta Magna para o Brasil. Por isso, os três caminhões parados em frente à sede do jornal àquela hora da noite, com soldados ostensivamente armados, não pareciam indicar uma visita de cortesia.

A intenção dos recém-chegados não demorou a se revelar. Sem descer dos veículos, os militares obedeceram à ordem determinada por um oficial e, a um só gesto, apontaram os canos de suas armas para a fachada do prédio. A seguir, sob nova ordem, a de fazer fogo, desfecharam uma ruidosa carga de disparos. Depois de meio minuto ininterrupto de artilharia, os caminhões ligaram os motores e seguiram em frente, sacolejando em marcha lenta, como se nada de anormal houvesse ocorrido.”

 

Fonte – ZERO HORA

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