Nilmário atuou contra a ditadura e ficou preso durante três anos e meio, além de ter os direitos políticos cassados por cinco anos. No seu processo na Comissão de Anistia, Anselmo reconhece que colaborou com os militares e que, a partir de suas informações, militantes de esquerda foram mortos. Nilmário Miranda explicou que, no processo, Anselmo argumenta, paraobter a anistia e seus benefícios, que, antes de passar a ser colaborador dos militares foi perseguido pela ditadura, teve seu nome na lista de atingidos por um Ato Institucional, foi julgado, condenado,preso e exilado. Apesar de ter sido preso por dois anos – logo após o golpe – entre 64 a 66, exilado e atingido por um ato institucional, Anselmo ainda não convenceu os integrantes da Comissão deAnistia. Os conselheiros têm dúvida sobre a data real que passou a colaborar com os militares, apartir de novos documentos que receberam. A versão oficial diz que Anselmo virou delator a partirde 1971, depois de ter sido novamente preso após voltar do exílio. Para o presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abrão, essas dúvidas somente serão dirimidas com a presença de Anselmo nojulgamento amanhã. “Seria importante que aparecesse para prestar esclarecimentos de fatos àComissão de Anistia”, disse Paulo Abrão.
Documentos secretos produzidos pelo serviço de inteligência da Aeronáutica na ditadura militar indicam que o marinheiro de primeira classe José Anselmo dos Santos, o mais famoso agente duplo brasileiro, já era informante do regime nos primeiros anos do golpe. Os papéis a que o jornal teve acesso integram processo de Cabo Anselmo na Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, que vai julgar amanhã seu pedido de reintegração à Marinha como suboficial. Ele também quer receber aposentadoria e indenização como anistiado. Os novos elementos reforçam a tendência de o pedido ser negado pelo governo. Anselmo diz que, para não morrer, passou a colaborar com a ditadura em 1971, quando foi preso pelo delegado Sérgio Fleury. Suas delações levaram à morte de militantes de esquerda, inclusive sua mulher, a paraguaia Soledad Barrett, em 1973. Os documentos, ao lado de outras provas reunidas no processo, que será relatado pelo ex-ministro de Direitos Humanos Nilmário Miranda, contradizem o ex-militar. Entre essas provas está depoimento do ex-delegado Cecil Borer, publicado pelo jornal em 2009, segundo o qual Anselmo já era informante antes de 1964. Nos novos papéis, encaminhados pelo Arquivo Nacional em abril, há depoimento de Siglia Piedade Pinto Monteiro, ex-secretária do marechal Henrique Teixeira Lott. Ela afirma que um “grupo de militares sabe onde está Cabo Anselmo”. O depoimento foi dado ao Cisa em maio de 1966, menos de dois meses depois da fuga de Anselmo de uma delegacia no Alto da Boa Vista, no Rio, onde ele tinha regalias.
Siglia disse ter sido “olhos e ouvidos” de Lott em reunião com um grupo de 12 militares em Petrópolis (RJ). O documento do Cisa relata que “fora dada fuga ao Cabo Anselmo”, sem entrar em detalhes -confirmando declarações de Cecil Borer de que a fuga de Anselmo foi uma farsa. Os papéis reforçam a versão da esquerda de que Cabo Anselmo foi um agente provocador e colaborou com os militares desde o golpe de 1964. Após fugir da cadeia, ele foi para Cuba, de onde só voltou no fim dos anos 1960. Anselmo não foi localizado ontem. Seu advogado, Luciano Blandy, disse que não conseguiu falar com ele.
“Não posso comentar esses papéis”, afirmou Blandy. “A comissão juntou esses novos documentos sem comunicar a defesa.” O pedido de anistia de Anselmo foi protocolado no Ministério da Justiça em 2004. O caso será julgado na semana seguinte à instalação da Comissão da Verdade, que investigará crimes da ditadura. Publicado no caderno ‘Poder’, da Folha.
Reportagem de capa do jornal O Estado de S.Paulo, publicada no caderno ‘Nacional’. O Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, concede entrevista ao jornal.Para ele, o “caso Cachoeira” e seus desdobramentos e o julgamento do processo do mensalão terão impacto sobre as eleições municipais de outubro. Cardozo não se arrisca, entretanto, a mensurar o tamanho do prejuízo nas campanhas de Fernando Haddad e de José Serra à prefeitura de SP. “Se vai atrapalhar ou ajudar, vamos aguardar”, diz ele, que foi secretário-geral do PT. Ele afirma, por outro lado, que tem certeza de que o julgamento do mensalão não vai interferir no governo. O ministro falou ainda sobre a Comissão da Verdade que, segundo ele, é a comprovação de que o Brasil está superando divergências políticas e ideológicas: “Ninguém quer o revanchismo”. Cinco dias após a instalação da comissão, Cardozo ainda ameniza as resistências de alguns militares à investigação exclusiva dos crimes de tortura praticados por agentes de Estado. “Talvez um dia, quem sabe, eles se convençam de que a democracia é bem-vinda”, observa, dizendo ainda que não acredita em reações da caserna, afirmando que as Forças Armadas estão engajadas na estrutura democrática. E afirma: “A lei deixa muito claro que o objetivo dessa comissão é a busca da verdade naquele período triste da história brasileira. Porém, o caminho a seguir, a estratégia e quem será chamado a depor é um problema da comissão, que tem total autonomia legal e política. O governo não vai interferir nesses trabalhos”. Sobre a questão da revisão da Lei da Anistia, ele lembra que – como Ministro da Justiça – ele tem que fazer valer o Estado de Direito, e que a determinação judicial do STF tem que ser cumprida. Sobre a LAI, diz não acreditar que exista resistência para sai implantação, apesar do repórter retrucar, durante a entrevista, sobre a atitude do Senado e do Judiciário em relação à Lei, dizendo que o que há são interpretações diferentes sobre a LAI, que deverá ser objeto de discussões – lembrando ainda que ninguém pode resistir à Lei, e quem o fizer será responsabilizado por isso. Cardozo não quis comentar sobre a tentativa de petistas de intimar o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, a depor na CPI. Em relação à indagação do repórter sobre a opinião dele do caso do Mensalão, considerando que ele disse na CPI dos Correios que o Mensalão existiu, ele responde: “Em nenhum momento eu disse que o mensalão existiu. Cheguei até a pedir uma correção à revista Veja. Afirmei que existia uma situação de destinação de recursos ilegais, de caixa dois. Isso era indiscutível”. E em relação ao caso, expressou um ‘que a Justiça seja feita”. Diz que acredita na imparcialidade do STF para julgar o caso, e que Justiça dirá as verdade sobre a presença de petistas supostamente envolvidos no caso, como o ex-ministro José Dirceu. Sobre a CPI, diz ter certeza que o Congresso fará o melhor para atingir o objetivo da investigação. E que está tudo sob sigilo, quando repórter indaga sobre a segunda fase da operação Monte Carlo. O repórter o indaga ainda sobre a estranha venda da Delta para a JBS, ao considerar que o BNDES é dono de parte do frigorífico e o governo não ter dado aval para a negociação; ele responde: “Se algum dia o governo começar a avalizar ou orientar situações de mercado, estará fugindo muito do seu papel. Isso seria descabido”. Ao ser indagado se é a favor do controle da imprensa, o Ministro afirma: “Alguém que seja contra a liberdade da imprensa está na contramão da história. O que hoje deve ser discutido é algo que cria normas disciplinadoras de direitos, tanto do ponto de vista de quem tem sua honra atingida quanto da própria segurança das empresas jornalísticas. É correto, por exemplo, que crimes de calúnia, difamação e injúria, praticados no âmbito de veículos de imprensa, sejam tratados no Código Penal? Não podemos ter medo desse debate”.
A área militar no Executivo federal, em Brasília, recebeu 119 pedidos de informação nos três primeiros dias de vigência da Lei de Acesso à Informação, que entrou em vigor na última quarta-feira. A nova lei permite que todo cidadão requisite quaisquer informações a Executivo, Judiciário, Legislativo e MP. Os órgãos têm a obrigação de atender os pedidos, sob pena de punição ao servidor que se recusar a fornecê-las. No Ministério da Defesa e nas Forças Armadas, houve procura por documentos produzidos pela ditadura militar, como eventuais relatórios sobre a morte do jornalista Vladimir Herzog e o atentado a bomba no Riocentro, em 1981. Os militares também receberam pedidos sobre o Plano Nacional de Defesa, que prevê investimentos bilionários. O Ministério da Justiça e sete órgãos a ele vinculados, como a PF e o Arquivo Nacional, receberam 144 pedidos nos três dias. As dúvidas mais frequentes dizem respeito a processos por indenizações previstas na Lei da Anistia, dúvidas sobre viagens e outros gastos e atas de reuniões. Embora tenham sido duas das áreas mais acionadas na Esplanada dos Ministérios, com 12% do total de pedidos, a área militar e o Ministério da Justiça não apareceram no ranking divulgado pela CGU na sexta-feira. A divergência ocorreu porque, no caso do Ministério da Justiça, a CGU não contabilizou os pedidos feitos aos órgãos subordinados à pasta. Na lista da CGU, o mais requisitado foi o Banco Central, com 160 pedidos de um total de 2.217. O BC explicou ao jornal, porém, que um erro no sistema o levou à primeira posição: um mesmo pedido foi contabilizado 58 vezes. Sem a repetição, o BC cai para o terceiro lugar e o Ministério da Justiça sobre para o primeiro. A área militar é a terceira mais procurada, abaixo do Ministério do Planejamento. Em três dias de vigência da Lei de Acesso, o Senado recebeu 42 pedidos de informação. O mais polêmico é a lista dos salários dos servidores da Casa. A diretora-geral, Dóris Peixoto, informou que os dados não seriam revelados porque estariam protegidos pela Constituição. Na sexta-feira, o presidente do Senado, José Sarney, afirmou que vai esperar que o Executivo detalhe como vai ser feita a divulgação da sua folha. A maioria dos pedidos feitos ao Senado está relacionada a despesas e mordomias, como o fornecimento de combustível para carros oficiais, gastos com apartamentos funcionais e aposentadorias de ex-senadores. O STF recebeu pouco mais de dez pedidos, na maioria informações sobre despesas dos 11 ministros da corte. Publicado no caderno ‘Poder’, da Folha.