Família Teles e Comparato enfrentam Ustra

Numa sentença de 2009, de autoria do juiz Dr. Gustavo Santini Teodoro, o Coronel Ustra foi oficialmente reconhecido como responsável pelas torturas sofridas por Maria Amélia de Almeida Teles, César Augusto Teles e Criméia de Almeida em 1971, no DOI-CODI de São Paulo. Ustra apelou da sentença. O Tribunal de Justiça de São Paulo iniciou o julgamento dessa apelação na última terça-feira, dia 22, mas após a sustentação oral feita pelo Professor Fábio Konder Comparato, advogado da família Teles, o Tribunal resolveu adiar – http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/44504-justica-adia-julgamento-de-recurso-de-ustra.shtml – para outra sessão a conclusão do julgamento, alegando os Desembargadores que precisavam refletir melhor sobre o assunto.

Reproduzimos a seguir trechos da sustentação oral feita pelo Professor Comparato.

O Professor Comparato começou declarando:

“Esta não é uma demanda qualquer de interesse privado. É um processo judicial em que está em jogo nada menos do que a dignidade do Estado Brasileiro, diante da opinião pública nacional e internacional. Não se trata aqui de decidir, de modo frio e abstrato, se existe ou não uma relação de responsabilidade pessoal, ligando o Apelante aos Apelados. Trata-se, antes, de julgar se um agente público, remunerado com dinheiro do povo e exercendo funções oficiais de representante do Estado, podia ordenar e executar, sem prestar contas à Justiça, atos bestiais de tortura contra pessoas presas sob sua guarda.”


Comparato, a seguir, disse que Ustra, não tendo como encobrir o que chamou de “a verdade gritante dos fatos”, decidiu apresentar “um chorrilho de questões preliminares”, a saber, 1) o fato de ele ter sido anistiado pela lei de 1979; 2) o não-cabimento de uma ação simplesmente declaratória, na qual a Família Telles não pede indenização alguma; 3) a prescrição.

Quanto à questão da anistia, Comparato frisou, em primeiro lugar, que ela não tem nenhum efeito na esfera civil, citando o artigo do Código Civil que declara que a responsabilidade civil é independente da criminal. Mostrou, ainda, que se a anistia criminal é uma renúncia do Estado em punir autores de crimes, essa renúncia não pode abranger direitos que não pertencem ao Estado, como os direitos das vítimas dos atos criminosos.

Quanto ao não-cabimento da ação declaratória no caso, assinalou que a as humilhações aviltantes sofridas por torturados não se apagam com dinheiro, e que o que se desejou, com a ação proposta, foi a declaração judicial de que Ustra é responsável por torturas bestiais praticadas contra os autores da ação.

Finalmente, quanto à prescrição, questão altamente técnica, Comparato citou um artigo do Código Civil, que declara que a prescrição atinge aquilo que se chama pretensão, isto é, o direito de exigir o cumprimento de uma prestação, por exemplo, uma indenização. Ora, nas ações declaratórias, ao contrário das condenatórias, o que se pede é, simplesmente o reconhecimento de que o autor tem ou não tem direitos; não se pede o pagamento de coisa alguma. Lembrou ainda Comparato que a jurisprudência brasileira já se firmou no sentido de que as ações oriundas de direitos humanos não estão sujeitas a prescrição.

Declarando, a seguir, que os órgãos oficiais de defesa dos direitos humanos, no Brasil e no exterior, estavam atentos ao que ia decidir o Tribunal, Comparato concluiu:

“Seria incompreensível, para dizer o mínimo, que o Tribunal de Justiça de São Paulo, no momento em que se instala e começa a funcionar no Brasil uma Comissão da Verdade, se recusasse a reconhecer que o mais notório torturador do regime militar é civilmente responsável, perante os Apelados, pelas atrocidades contra eles cometidas.”

 

Fonte – Conversa Afiada

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