Memória da censura é uma defesa à liberdade

Professores e estudantes da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) participaram de um ato nessa quinta-feira (24), no campus da faculdade, no Largo São Francisco, centro de São Paulo, para coletar assinaturas para a criação de uma comissão da verdade dentro da instituição.

O objetivo da comissão é investigar violações de direitos humanos cometidas na universidade entre 1964 e 1985. A ideia de formar a comissão foi lançada no mês passado pelo Fórum Aberto pela Democratização da USP, que reúne a Associação dos Docentes da USP (Adusp), Sindicato dos Trabalhadores da USP (Sintusp) e Diretório Central dos Estudantes da USP (DCE Livre da USP).

De acordo com o representante do Fórum Aberto pela Democratização da USP, Renan Quinalha, a criação da comissão é importante porque na USP houve muita repressão e resistência durante o período da ditadura militar, e esse momento precisa ser esclarecido pela própria universidade. “A USP é farta de histórias de professores, estudantes, funcionários que foram perseguidos e chegaram a ser cassados e eliminados do quadro da universidade, e essas histórias precisam vir à tona”.

Quinalha explicou que, para formar a comissão, o grupo pretende distribuir um abaixo-assinado em todos oscampi da USP para reunir 10 mil assinaturas e formalizar uma reivindicação ao Conselho Universitário, único que pode criar essa comissão.

“Queremos que seja feita [a criação da comissão] de maneira autônoma e independente, não atrelada à estrutura administrativa da universidade para que o trabalho possa ser feito contrariando inclusive interesses da própria reitoria”.

O diretor do Sintusp, Alexandre Pariol, disse que os arquivos da USP devem ser abertos de forma ampla e irrestrita e todas as pessoas que cometeram crimes na ditadura militar devem ser julgadas. “Aqui na nossa universidade achamos importante uma comissão específica, porque a USP, junto com a Universidade de Brasília ,foi a que mais sofreu com a ditadura militar. Os estudantes, funcionários e professores que perderam a vida merecem ter a sua memória”.

O jurista e professor da USP, Fábio Konder Comparato, disse que a criação de uma comissão da verdade paralela à criada pelo governo é necessária porque as atribuições da comissão elaborada pelo governo é muito amplo e só funcionará bem se contar com o apoio de outras, em esfera estadual e municipal. “Ou então setorial como é o caso da Comissão da Verdade da USP que se propõe agora. A comissão deverá trabalhar com total independência. Os professores, estudantes e funcionários da USP devem abrir o passado e verificar tudo aquilo que ocorreu durante o regime militar”.

Com a defesa da liberdade de imprensa estampada na capa de sua primeira edição, em 4 de janeiro de 1875, quando já demarcava a independência do jornal em relação ao governo, em pelo menos dois momentos da história brasileira o Estado foi vítima do autoritarismo em sua trajetória de 137 anos. No período da ditadura Vargas, o jornal ficou por cinco anos, de 1940 a 1945, sob intervenção. Mais tarde, entre 1972 e 1975, foi obrigado a conviver com censores da ditadura militar dentro da redação. Todo o material dos períodos de exceção pode agora ser visitado no acervo digitalizado.

No hall do Ibirapuera, o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, foi direto aos terminais de acesso pesquisar sobre o seu nome no acervo. Encontrou referência em reportagem de 1975, quando foi preso durante manifestação de protesto contra o assassinato do jornalista Wladimir Herzog. Bernardo se divertiu. ‘Minha primeira matéria no Estado’, brincou.

O ex-governador José Serra também quis descobrir sua presença no acervo: pesquisou ‘União Estadual dos Estudantes de São Paulo janeiro de 1963’, depois acrescentou ‘José Serra’. Recebeu como resposta da pesquisa mais de 800 referências. Serra explicou que seu interesse ‘tem a ver com a história do nosso País e com São Paulo’. ‘Estão aqui diversas fases: a Revolução de 32, a redemocratização após a 2.ª Guerra e também o golpe militar de 64’, afirmou.

A ministra-chefe da Secretaria de Comunicação Social, Helena Chagas, disse que viveu a censura em casa. O pai dela, Carlos Chagas, foi diretor de Redação da Sucursal do Estado em Brasília justamente na época em que censores designados pela Polícia Federal ocuparam a redação do jornal, na década de 1970.

‘A coluna do meu pai era frequentemente censurada e ele era obrigado a depor no Dops’, contou Helena, que compareceu ao Auditório Ibirapuera representando a presidente Dilma Rousseff. Helena lembrou que Carlos chegou a ser indiciado em processo porque o Estado publicou uma matéria, que escapou à censura, sobre a invasão da Universidade de Brasília (UnB). ‘Foi uma época difícil e todos nós, da família, ficamos muito preocupados. Eu me lembro que o Estado às vezes publicava Os Lusíadas, outras vezes receita de bolo e eu, que na época era criança, não entendia aquilo’, disse a ministra.

Para o presidente da Fundação Biblioteca Nacional, Galeno Amorim, além do serviço prestado a estudantes e pesquisadores, a iniciativa tem forte relevância política. ‘É uma contribuição para a democracia brasileira. Para que não se esqueça no futuro das ameaças à liberdade de imprensa’, disse, referindo-se aos conteúdos preservados e digitalizados dos períodos de censura e autoritarismo vividos pelo jornal.

Conspiração. No site, os períodos de autoritarismo podem ser encontrados em seções separadas do conjunto das reportagens. Como mostram textos que orientam o acesso apontando o caminho ao pesquisador, na primeira investida do poder contra o jornal, em 1940, tropas militares invadiram a redação do jornal sob a falsa acusação de uma conspiração armada. Armas foram colocadas no forro do prédio pela própria polícia para forjar provas. O jornal foi acusado de armazenar metralhadoras para derrubar o governo.

Francisco Mesquita foi preso e levado para o Rio onde ficou por 40 dias. Nada provado contra ele, é solto. Entretanto, ficou impedido de reassumir suas funções no jornal, que passou a ser gerido pela ditadura. Getúlio Vargas percebeu que melhor que fechar o jornal era confiscá-lo e o colocar a serviço de sua propaganda. O nome indicado pelo regime para comandar o jornal durante a intervenção foi do jornalista Abner Mourão.

O jornal só foi devolvido à família Mesquita em dezembro de 1945. A contagem das edições voltou ao último jornal de 1940, com o nome de Francisco Mesquita na capa. Esse período não entra na história do jornal.

 

 

 

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