Um grupo que pede ao governo o aprofundamento na história da Guerrilha do Araguaia, que atingiu eles próprios ou seus familiares. No mês passado, a Comissão da Verdade da Câmara colheu o depoimento de um trabalhador que quase perdeu a vida durante o conflito, e até hoje não sabe para onde seu irmão foi levado. Em sessão secreta, ele fez relatos sobre as atrocidades sofridas pelos colonos, enquanto dois militares descreveram, na mesma audiência, o que seus superiores os obrigavam a fazer. “A história do Araguaia deve ser detalhada, temos que empreender esforços para encontrar os corpos dos desaparecidos”, diz Sezostrys Costa, diretor da Associação dos Torturados da Guerrilha do Araguaia. “A Comissão da Verdade tem que atuar em torno da Operação Limpeza, ocorrida em 1975”, acrescenta o diretor da associação dos torturados, referindo-se a uma suposta ação para eliminar indícios de violência praticada pelos militares. Além disso, Costa diz que os camponeses tinham que comunicar às autoridades quando saíam das cidades. Nos últimos três anos, o governo tentou encontrar vestígios de guerrilheiros mortos pelos militares. Em 2009, o Ministério da Defesa, cumprindo ordem judicial, constituiu um grupo de trabalho formado por vários órgãos que vêm fazendo escavações na região do Araguaia, mas até agora foram encontradas apenas duas ossadas. Os moradores, porém, esperam muito mais: querem seus desaparecidos. Alguns moradores do Araguaia que sofreram com a repressão não obtiveram a reparação na Comissão de Anistia. “Os camponeses já estão com idade avançada, doentes e não podem mais esperar”, diz Sezostrys. Para garantir o benefício de dois salários mínimos, eles enfrentaram uma batalha jurídica, mas o direito não foi reconhecido. Outros 140 casos estão no Ministério da Justiça. Publicado no Correio Braziliense.
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O Globo, em Tema em discussão, ressalta que nomeação equilibrada da Comissão da Verdade e sua posse permitiram uma certa acomodação de terreno nos embates sobre o status jurídico dos agentes públicos envolvidos em torturas, mortes e desaparecimentos de presos políticos, na ditadura militar, e a apreciação do “outro lado”, ou seja, dos crimes cometidos por militantes de esquerda. Firmou-se o entendimento de que a Comissão da Verdade existe para investigar crimes de Estado, suas vítimas. De fato, falta, para dar um fecho neste capítulo dramático da história do país, relatar o que houve nos porões do regime, refazer os passos dos desaparecidos, registrar a macabra crônica das mortes. É preciso pagar esta dívida às famílias das vítimas e abrir os arquivos daquele aparato de repressão, quase um Estado paralelo, o embrião de uma Gestapo tropical. Sobre os agentes públicos, policiais e militares, envolvidos na “guerra suja”, parece, enfim, começar a se disseminar a consciência de que nada pode ser feito contra eles na Justiça, por força da Lei da Anistia, de 1979. Bem como nenhum processo pode ser instaurado contra guerrilheiros envolvidos em ações violentas. Há quem considere que, à medida que a Comissão avance, começarão a ser criadas condições para a punição dos agentes públicos. Mantida a Lei da Anistia, impossível. E nem interessa à sociedade reabrir o assunto, trazer para o século XXI, já com a redemocratização consolidada, um fator de instabilidade político-institucional importado da década de 70 do século XX.
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Foi oportuna a iniciativa do juiz Milani de, no texto da sua decisão, incluir um trecho do discurso da presidente Dilma na posse da Comissão da Verdade em que ela afasta “qualquer intenção do Estado brasileiro” de punir autores de crimes cometidos naquela época. Prisioneira política, a presidente foi uma das vítimas daquele Estado. E nem por isso deixa de entender o alcance histórico e político real da Lei da Anistia.
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Já na opinião do jornalista Cid Benjamin, em Tema em discussão de O Globo, um país que desconhece o passado está condenado a repetir os erros. Por isso, se a Comissão da Verdade trouxer à luz as entranhas da ditadura militar terá ajudado a consolidar a democracia e a criar anticorpos para que a barbárie não se repita. No que diz respeito ao resgate da memória estamos muito atrasados em relação aos demais países do Cone Sul. A Comissão da Verdade já deveria ter sido criada. Sarney ou Collor, por terem apoiado a ditadura, não o fariam. Mas Fernando Henrique poderia tê-lo feito. E não há explicação para que Lula não o tivesse feito. É verdade que, se o Congresso não modificar a Lei da Anistia, os responsáveis por torturas ou assassinatos de presos não poderão ser levados aos tribunais. Esta situação resulta da absurda interpretação da lei feita recentemente pelo STF, beneficiando os integrantes do aparelho repressivo. Para que a Comissão cumpra seu papel, uma condição é importante: a abertura dos arquivos dos órgãos das Forças Armadas usados na repressão política. Não pode ser aceita a justificativa de que essa documentação foi queimada. Não se destroem arquivos, salvo em situações extremas, o que não ocorreu no Brasil. E, no caso de documentos oficiais, é preciso haver ordem escrita para a destruição. Os arquivos podem mostrar quem torturou e matou, quem deu ordens para tal e onde estão os restos mortais dos “desaparecidos”, além de tornarem público quem financiou a repressão. Se, por ora, os responsáveis por esses crimes não podem ser punidos, que, pelo menos, o país conheça seus nomes. A presidente da República é a comandante em chefe das Forças Armadas. Cabe a ela garantir acesso a esses arquivos.