Carta de Linhares, que será encaminhada à Comissão da Verdade, relata violência contra militantes da esquerda
Um triste e violento capítulo da história política de Minas Gerais começa a ser destrinchado com a divulgação de documentos que comprovam a violência cometida por militares contra militantes de esquerda em 1969, durante a ditadura militar. Denominada Carta de Linhares, ela traz a trajetória de um grupo de resistência, os locais de tortura e os torturadores. O Hoje em Dia teve acesso ao relato, assinado por 12 ex-militantes torturados, e que será enviado à Comissão da Verdade da Presidência da República e ao Ministério Público Federal (MPF).A iniciativa está sendo encabeçada pelo assessor especial da Comissão da Verdade e do Memorial da Anistia da OAB de Minas, Betinho Duarte. O documento é considerado o primeiro testemunho de torturados que se tornou público. O manuscrito conta que, em 29 de janeiro de 1969, a polícia invadiu um ‘aparelho’ do grupo de esquerda Comando de Libertação Nacional (Colina), na rua Itacarambi, 120, no bairro São Geraldo, na capital.
No momento da prisão, houve troca de tiros e o militante Maurício Vieira de Paiva foi atingido por duas balas. Em seguida, os sete presos que estavam na casa tiveram que encostar em uma parede dos fundos, “sob intenso espancamento, para serem fuzilados pelos policiais”. Temeroso do resultado da diligência, o comandante da operação, Luiz Soares da Rocha, impediu o que seria uma chacina.
Tia dos irmãos Ângelo Pezzuti e Murilo Pinto da Silva, integrantes do Colina, a funcionária aposentada da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Ângela Maria Pezzuti relembra que, depois de passarem por delegacias em BH e pela Polícia do Exército no Rio de Janeiro, os sobrinhos foram enviados para a Penitenciária de Linhares, em Juiz de Fora. A instituição, que abrigava presos comuns, havia sido desocupada para receber todos os presos políticos que ficaram sob a custódia da Justiça Militar.
Foi lá que os detentos se uniram e produziram o chamado “documento de Linhares”, que, em 28 páginas, revela, com riqueza de detalhes, toda a tortura sofrida por cada um dos presos, cita os nomes dos torturadores e descreve os métodos utilizados, como pau de arara, a palmatória e o choque elétrico.O texto denuncia, inclusive, a morte de João Lucas Alves, que foi brutalmente torturado na Delegacia de Furtos e Roubos de BH. No entanto, “os policiais afirmam que João Lucas suicidou-se com sua própria calça”.
Foi Ângela quem primeiro teve acesso ao depoimento, escrito no início de 1970, e o encaminhou ao então ministro da Justiça Alfredo Buzaid. Segundo ela, em uma reunião com o grupo de familiares formado para dar apoio aos presos e denunciar os abusos, um padre chamado Viegas entregou o manuscrito original. Ângela, que respondeu a processo por entrada e saída de documentos da prisão, afirma que não foi ela quem retirou o relato da penitenciária e que desconhece quem o tenha feito. “O documento correu o mundo, a vigilância em Linhares passou a ser mais rigorosa e o original não existe mais”, contou.