Comissão da Verdade: primeiro depoimento esclarecedor

Essa história de horror foi uma política deliberada de tortura e extermínio determinada pelo Estado

A Comissão da Verdade começa a fazer História. Ontem, ouviu o primeiro depoimento de um ex-agente do Estado, envolvido diretamente na morte de militantes de esquerda: o ex-delegado do Dops Cláudio Guerra. Após se ter tornado evangélico, ele resolveu falar. Um relato já havia sido feito por ele, sob a forma de um livro publicado recentemente: Memórias de uma Guerra Suja.

Graças ao agente, pôde-se conhecer, por dentro, como funcionava o esquema de tortura, assassinatos e “desaparecimentos” de detidos pelos órgãos de repressão. Inclusive, confessa ter dado sumiço a vários corpos, a mando do Exército, incinerando-os em fornos de uma usina de cana-de-açúcar em Campos (RJ), de propriedade à época do então vice-governador Eri Ribeiro. Mais do que isso: ele identificou segmentos empresariais e outros que financiavam os órgãos de repressão, mesmo tendo consciência de que praticavam torturas e assassinatos.

Um dos cabeças da repressão identificados pelo delegado é o tenente-coronel reformado Paulo Malhães – que usava o codinome “doutor Pablo”. Em reportagem publicada, no último domingo, pelo jornal O Globo, Malhães revelou como funcionava um aparelho clandestino de tortura, montado pelo Centro de Informações do Exército (CIE) em Petrópolis e que ficou conhecido como a “Casa da Morte”. Ninguém saía vivo de lá. Só houve uma exceção: a ex-militante da VAR-Palmares e
VPR Inês Etienne Romeu, que fingiu ter aceitado trabalhar como informante da repressão.

Há expectativas de que os depoimentos consigam esclarecer desaparecimentos como o do ex-deputado Rubens Paiva, sequestrado por militares e levado para um quartel do Exército, e que teria sido morto por torturas, segundo testemunhas. O tenente-coronel Paulo Malhães confirmou, sem a menor emoção, denúncias de ex-torturados, de que jacarés e cobras foram usados como meios para obrigar prisioneiros a falar.

O pior é que essa história de horror não foi fruto de “excessos” de agentes que teriam “perdido o controle”, mas foi uma política deliberada de tortura e extermínio determinada pelo Estado, segundo documentação publicada pelo jornalista Elio Gaspari, em sua trilogia sobre a ditadura. É uma oportunidade ímpar para as Forças Armadas darem explicações à Nação sobre esses episódios.

 

Fonte – Jornal O Povo

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