Documentos guardados no Arquivo Nacional revelam a existência de um dossiê produzido pelo regime militar contra Angelo Pezzuti, principal líder do Comando de Libertação Nacional (Colina), conhecido também com os codinomes Gabriel e Cabral. A compilação de informações intitulada As difamações de Angelo Pezzuti e presos da Penitenciária de Linhares revela que o líder do Colina foi confrontado com cópias de bilhetes interceptados pela repressão que culminaram nas torturas sofridas por Dilma Rousseff em Juiz de Fora (MG), como revelou o Correio/Estado de Minas, com exclusividade, em 17 e 18 de junho.
Em um dos depoimentos reunidos no documento da Divisão de Segurança e Informação do Ministério da Justiça, Pezzuti confirma que escreveu bilhete pedindo a Dilma ajuda para fugir da prisão. De acordo com o relato, datado de 12 de maio de 1969, Pezzuti contou com o auxílio de um outro preso, a quem ofereceu a contratação de um advogado e dinheiro, para o colega de confinamento repassar recados a Dilma e a Oroslinda Goulart, conhecida como Mônica.
Num dos bilhetes, Pezzuti teria pedido que Dilma e Oroslinda providenciassem carros, armas e dinheiro para a fuga dele. “O declarante escreveu então vários bilhetes para serem entregues a seu pai, à doutora Maria Toffani, a Dilma Vana Rousseff (Estela) e a Oroslinda Goulart (Mônica), que nesses bilhetes lembra-se ter pedido a seu pai para arranjar advogados e dinheiro para o preso, que à doutora Maria Tofani pediu para arranjar remédios, pois encontrava-se com amigdalite, e a Dilma Vana Rousseff e Oroslinda Goulart pediu para ajudá-lo num projeto de fuga, arranjando-lhe carros, armas e dinheiro, que reconhece as cópias dos bilhetes apresentados nesse momento”, traz o relatório policial, com assinatura identificada como sendo a de Pezzuti. A mensagem nunca chegou às mãos de nenhuma das duas militantes políticas, sendo interceptada pelos agentes da repressão.
A compilação da Divisão de Segurança e Informação ganhou o título de “as difamações” porque, além dos depoimentos dos integrantes do Colina, traz também as denúncias de torturas sofridas pelos declarantes. A reunião do material policial, apresentado como auditoria, e os relatos de agressão deixam claro que o detalhamento das ações do grupo e apontamento de colegas da organização foram conseguido por meio de tortura. Os integrantes da organização denunciam agressões com choques elétricos no ânus e pancadas desferidas com remo curto. Os nomes dos torturadores também estão registrado no dossiê: “Thacir Menezes Sia, Ariosvaldo Hora, Scoralick, José do Carmo, Joel, Cabo Ferreira, Márcio, José Aparecido, Anésio, Geraldo, Vander, Bicalho. Os primeiros interrogatórios do inquérito foram levados a efeito, no Departamento de Roubos e Furtos de Belo Horizonte. Foram dirigidos por Luiz Soares da Rocha, chefe da Polícia do estado. Sob seu comando e de dois delegados, Lara Rezende e Márcio Cândido da Rocha, os prisioneiros foram barbaramente torturados”.
Comando urbano
A interceptação dos bilhetes assim como o plano de fuga, que continha o croqui das dependências da Penitenciária Magalhães Pinto, onde estava preso quando escreveu a Dilma, fez com que os interrogadores dedicassem mais atenção às menções do nome da ex-militante, atual presidente do país. O líder do Colina relata que Dilma era sua “conhecida” e costumava visitar sua casa, no “Edifício Solar”. No dossiê contra Pezzuti, outros presos por fazer parter do Colina chegam a ser interpelados diretamente sobre a atuação de “Estela” e Cláudio Galeno Linhares, marido de Dilma na época. Os depoentes informam que, entre os participantes da organização, o casal também era conhecido como “Santos e Mariza”.
Dilma ganhou importância no monitoramento dos militares quando emprestou a casa, em julho de 1968, para reunião que determinou a criação de uma direção nacional para o Colina. Até então, ela compunha célula do movimento estudantil, organização menor, sem poder de decisão, uma espécie de núcleo de base. Após a criação da direção nacional, o Colina se organizou nos setores de levantamento, inteligência, sabotagem, expropriação e comando urbano.
O dossiê contra Pezzuti também traz depoimento de Jorge Raimundo Nahas, atual secretário municipal de Políticas Sociais de Belo Horizonte, que relata a ascensão de Dilma na hierarquia do Colina, subindo de integrante de célula para o comando urbano. “A coordenação das células passou a ser formalizada e executada pelo comando urbano, que tinha poder de decisão sobre as células que não pertenciam aos setores militares. O declarante afirma que Dilma Vana Rousseff e Hebert Eustáquio de Avelar (Olímpio), por serem militantes considerados muito bons, tenham passado a pertencer ao comando urbano.”
Fonte – Correio Braziliense