A juventude e a ditadura militar de 64

Em 1964 a burguesia brasileira, assustada com os trabalhadores do campo e da cidade que faziam greves e ocupavam terras por todo o país, por meio do exército brasileiro e com apoio de camadas da pequena burguesia, realizou um golpe militar que reprimiu violentamente a classe operária e a juventude. Teve início assim dos períodos mais sombrios da história do Brasil. A ditadura militar não só torturou, censurou e matou aqueles que lutavam por uma sociedade mais justa como também entregou o país para o imperialismo norte americano.

A juventude teve papel importante na luta contra a ditadura. Nesse período surgiram as grandes correntes de massa do movimento estudantil. Os Diretórios Centrais dos Estudantes (DCE), Grêmios Estudantis e a União Nacional dos Estudantes (UNE) renascem.

Mas apesar dos incríveis esforços da juventude, foram os trabalhadores o fator determinante para por abaixo a ditadura, realizaram poderosas greves e construíram a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e o Partido dos Trabalhadores (PT).

1968: das mobilizações estudantis às greves operárias

O mundo estava em ebulição no ano de 1968, eventos como a Primavera de Praga na Tchecoslováquia e o Maio de 68 na França influenciavam os movimentos no resto do globo terrestre.

No Brasil a situação não foi muito diferente. Apesar de não possuir nenhuma ligação direta com nenhum desses acontecimentos, na base dos movimentos havia o inicio de um questionamento do capitalismo. Isso aterrorizava a burguesia.

No mês de abril de 68, o assassinato do estudante secundarista Edson Luiz desencadeou uma série de mobilizações estudantis e em protesto contra sua morte, a UNE decretou greve geral estudantil. Em junho do mesmo ano ocorreu a passeata dos cem mil, na época um dos atos mais importantes contra a ditadura militar.

Desde o primeiro de maio os trabalhadores se mobilizavam de norte a sul do país, mas foi no dia 16 de julho que os operários da metalúrgica Cobrasma de Osasco (SP) entraram em cena. A sirene anunciava para as 9h o início da operação de ocupação da fábrica e imediatamente, após a ocupação, panfletos foram amplamente distribuídos para informar outras fábricas que foram parando uma a uma impulsionando o Comitê Interfábricas por cima e apesar da pelegada que dirigia a maioria dos sindicatos.

A greve de Osasco serviu para mostrar o descontentamento em relação aos salários, a repressão sindical e que existia uma perspectiva operária de resistência ao regime militar, mas as direções débeis e o triste papel do PCB que via nos militares uma resistência antiimperialista, permitiram a reorganização da ditadura que desfechou violenta repressão ao movimento.

Em dezembro de 68 a repressão foi “legalizada” através do AI-5. As manifestações foram violentamente reprimidas, começa a tortura e a perseguição aos dirigentes operários e estudantis.  A UNE é posta na ilegalidade e se inicia um refluxo da classe operária.

O término da década de 60 e início de 70 foram marcados pela liquidação física de quadros do movimento estudantil e operário. A tática de guerrilhas criou uma “justificativa” para a repressão que o regime militar desencadeou com mais ferocidade. As ações sectárias e vanguardistas, desesperadas da pequena burguesia radicalizada, apartou o movimento do conjunto da classe operária. A maioria das direções, em geral tinha um programa nacionalista e muitos não rompiam com a política de colaboração de classes.

O movimento estudantil se reorganiza e apoia o movimento operário

A partir de 1975 com a crise financeira a situação se modificou e o movimento estudantil começou a se reorganizar e antecipar o que viria a acontecer a partir de 79. O combate sob a palavra de ordem “Abaixo a ditadura” se inicia nesse período.

Vale destacar a importante atuação dos Trotskistas nesse período, em particular a tendência estudantil Liberdade e Luta (Libelu), organização de jovens impulsionada pela Organização Socialista Internacionalista (OSI), decide levantar a bandeira de luta “Abaixo a Ditadura” no bojo do combate pelas liberdades democráticas o que lhe possibilitou seu rápido crescimento no movimento estudantil, animando milhares de estudantes.

Era na USP em que a Libelu possuía forte atuação, em 76 chegou a disputar o DCE-livre da USP e a partir da reorganização da União Estadual dos Estudantes (UEE) de São Paulo em 77, a primeira UEE livre do país depois de 68, a Liberdade e Luta participou do processo com chapa própria.

Em 1978 no 4º Encontro Nacional dos Estudantes a Libelu apresentou a proposta da construção de um partido operário, esse encontro também convocou o Congresso de Reconstrução da UNE. No ano de 1979 a chapa Liberdade e Luta ganhou as eleições para o DCE-livre da USP, posteriormente denominado Alexandre Vannucchi Leme, assassinado em 1973 pela repressão. A palavra de ordem de “Abaixo a Ditadura” se generalizou e no movimento operário cresciam as lutas.

A Libelu foi uma organização importante na história do movimento estudantil, mas principalmente do trotskismo no Brasil, ela aglutinou milhares de estudantes no país e permitiu impulsionar a OSI no meio operário.

A UNE foi refundada em 1979 no Congresso que reuniu cerca de 10 mil jovens no Centro de Convenções de Salvador (BA), a histórica Carta de Princípios aprovada nesse Congresso apresentava em um de seus pontos que “A UNE deve lutar contra toda forma de opressão e exploração, prestando irrestrita solidariedade à luta dos trabalhadores de todo o mundo”.

1975 a 1979: o crescimento

Durante os anos de 75 a 79 as ruas voltaram a ser o palco da atuação estudantil e toda essa força que a juventude demonstrou exigindo o fim do regime militar inspirou e reanimou a classe trabalhadora e outros movimentos. Os estudantes estavam, a partir desse momento, ao lado dos trabalhadores apoiando as greves e se envolvendo nas organizações clandestinas de fábricas, ajudando as oposições sindicais.

O Encontro Nacional dos Trabalhadores em Oposição à Estrutura Sindical (ENTOES), realizado em setembro de 1980, no Rio de Janeiro, e da Articulação Nacional dos Movimentos Populares e Sindical (ANAMPOS), criada também em 1980, foram instrumentos que surgiram a partir das mobilizações operárias que colocavam a necessidade de uma central sindical na ordem do dia. O PT e a CUT são os frutos colhidos dessa época, a classe operária aprendeu com a ditadura que precisava de seu instrumento de luta contra os velhos partidos que a havia abandonado. Os trabalhadores necessitavam de sua unidade para a utilizar na luta por seus direitos, derrubar a ditadura e abrir caminho para a construção da sociedade socialista.

A chama da revolução

Observando a atuação da juventude durante a ditadura militar no Brasil, duas características se tornam evidentes.

A primeira pode ser exemplificada através de um trecho do texto A Revolução Francesa de Maio de 1968 de Alan Woods, onde o autor colocava que “A efervescência entre os estudantes era apenas a manifestação mais evidente do descontentamento da sociedade francesa. Apesar do auge econômico, os empresários franceses haviam aplicado uma pressão violenta sobre os trabalhadores. Abaixo da superfície de aparente calma existia um enorme acúmulo de descontentamento, rancor e frustração. Já em janeiro houve violentos conflitos durante uma manifestação de grevistas em Caen”.

Woods afirma que os estudantes são um barômetro sensível às tensões da luta de classes e que em 68 eles só estavam antecipando as greves operárias que colocariam em xeque o governo do presidente francês, De Gaulle. Em outros momentos da história, inclusive mais recentes como na Tunísia em 2011, os jovens desempenharam esse papel, o que poderia ser considerado como o relâmpago que anuncia a tormenta.

A outra característica e a mais importante em relação à juventude é aquela que Trotsky afirma no Programa de Transição e que ficou nítida nos movimentos que ocorreram de 1975 a 1979 no Brasil. Para o revolucionário russo “Apenas o fresco entusiasmo e o espírito ofensivo da juventude podem assegurar os primeiros triunfos da luta e somente ela trará de volta ao caminho da revolução os melhores elementos da velha geração. Sempre foi assim e sempre será”.

Com a frustração diante da falência do stalinismo e completa traição da social democracia muitos ativistas e correntes passaram a crer no surgimento da chamada nova vanguarda, tratando o Movimento Estudantil como se fosse a vanguarda revolucionária. Mas a classe operária sempre acabou dando o tom e apagou estas concepções pseudovanguardistas. A mesma relação pode ser vista nas manifestações de massas que ocorreram no mundo recentemente.  Vimos a juventude impulsionar o movimento operário na Grécia, Espanha, no Chile e no Egito. Mas a palavra final e decisiva é sempre dada pela classe operária.

Atualmente os jovens desempenham um papel fundamental na luta de classes, assim como, desenvolveram na ditadura militar brasileira, mas um entendimento sobre a real importância dos jovens é extremamente necessário para não cometermos erros que podem prejudicar o desenvolvimento da própria luta de classes. A juventude é a chama da revolução, a classe operária, seu motor e dirigente.

 

Por Evandro José Colzani

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