Consoante dispõe o artigo 2º da referida lei, tal comissão deverá ser composta por sete membros, designados pelo presidente da República, dentre brasileiros, de reconhecida idoneidade e conduta ética, identificados com a defesa da democracia e da institucionalidade constitucional, bem como com o respeito aos direitos humanos.
O parágrafo 1º do aludido dispositivo faz algumas ressalvas em relação a essa designação:
§ 1 Não poderão participar da Comissão Nacional da Verdade aqueles que:
I — exerçam cargos executivos em agremiação partidária, com exceção daqueles de natureza honorária;
II — não tenham condições de atuar com imparcialidade no exercício das competências da Comissão;
III — estejam no exercício de cargo em comissão ou função de confiança em quaisquer esferas do poder público.
Pois bem, foram nomeados através do Diário Oficial da União do dia 11 de maio de 2012 os seguintes integrantes:
a) Cláudio Lemos Fonteles (procurador da República aposentado);
b) Gilson Langaro Dipp (ministro do Superior Tribunal de Justiça);
c) José Carlos Dias (ex-ministro da Justiça);
d) José Paulo Cavalcanti Filho (advogado e escritor);
e) Maria Rita Kehl (psicanalista);
f) Paulo Sérgio de Moraes Sarmento Pinheiro (atual presidente da Comissão Internacional Independente de Investigação da ONU para a Síria) e
g) Rosa Maria Cardoso da Cunha (advogada).
Como se percebe, a quase totalidade dos membros da comissão não possui mais vínculo ativo com o Estado. A exceção é o caso do ministro do Superior Tribunal de Justiça, Gilson Dipp, que recentemente foi eleito vice-presidente da Corte.
A questão é a seguinte: poderia ele, como magistrado na ativa, integrar tal comissão? À primeira vista, poder-se-ia dizer que sim, eis que ele, em tese, preenche os requisitos previstos na Lei 12.528/11.
Mas e a Constituição da República, o que ela diz? Bem, no seu artigo 95, parágrafo único, inciso I, está clara a seguinte proibição:
Art. 95. Os juízes gozam das seguintes garantias:
Parágrafo único. Aos juízes é vedado:
I — exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma de magistério;
É, pelo visto, há algo de estranho nessa designação, pois um magistrado, independentemente da natureza dessa designação para integrar tal órgão da Presidência da República[1], não pode ocupar outra função que não seja relacionada ao magistério!
Sem falar que os membros da Comissão Nacional da Verdade, nos termos da lei, devem perceber o valor mensal de R$ 11.179,36 (onze mil, cento e setenta e nove reais e trinta e seis centavos) pelos serviços prestados.
Acredito que o nobre ministro não venha percebendo tal contraprestação, tendo vista que, além da previsão constitucional do teto remuneratório, existe uma disposição na própria lei que criou a Comissão da Verdade, segundo a qual o servidor ocupante de cargo efetivo, o militar ou o empregado permanente de qualquer dos Poderes da União, dos estados, dos municípios ou do Distrito Federal, designados como membros da Comissão, manterão a remuneração que percebem no órgão ou entidade de origem acrescida da diferença entre esta, se de menor valor, e o montante previsto no caput.
Para ser mais incisivo, deixando claro que essa acumulação de cargos/funções não é constitucional, tampouco razoável, observe-se o que diz o parágrafo 2º do artigo 7º da lei em questão:
Art. 7º […]
§ 2º A designação de servidor público federal da administração direta ou indireta ou de militar das Forças Armadas implicará a dispensa das suas atribuições do cargo.
Ora, se, para os servidores referidos acima, a lei, acertadamente, determina o afastamento dos mesmos de suas funções ordinárias, o que dizer em relação a um membro de Poder, que atualmente ocupa a vice-presidência de uma das mais altas Cortes de Justiça do país?
Qual o objetivo dessa norma? Certamente é garantir a eficiência no exercício das funções dentro da Comissão da Verdade.
Teria o ministro condições de acumular tantas funções? Acredito que não!
Assim, além da hialina proibição prevista no artigo 95, parágrafo único, inciso I, da nossa Carta Magna, não é razoável, tampouco moral, a designação em comento.
E o pior de tudo é que as autoridades competentes nada fizeram até o momento! Decerto, o prazo de existência da Comissão da Verdade (dois anos) irá se esgotar e será tarde demais para se discutir a questão.
[1] Qual seria mesmo a natureza desse vínculo com a União? Cargo em comissão? Certamente não. Agente honorífico? Talvez, mas e a remuneração de R$ 11.179,36? Prestação anômala de serviço sem concurso público? Não sei. É, ainda não encontrei uma resposta satisfatória.
Fonte – Revista Consultor Jurídico