Segundo Dipp, que é ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a Comissão havia sido informada pelo ministro da Defesa, Celso Amorim, da existência dos arquivos, mas os membros do colegiado não acreditavam que houvesse registros tão claros e contundentes sobre a Operação Condor, a aliança político-militar entre vários regimes militares da América do Sul. – Pensávamos que não houvesse documentos tão reveladores. Esses arquivos são de grande valia para reconstruir a história. A reportagem confirma o que já estava apontado por indícios, que houve estreita colaboração no âmbito da Operação Condor – disse o ministro. – Eles serão examinados pela Comissão, com a finalidade de recuperar a verdade histórica. Segundo o ministro, a publicação dos documentos pelo jornal irá acelerar o exame dos papéis na reunião extraordinária da Comissão da Verdade, que está prevista para hoje. Os documentos confidenciais foram produzidos pelo extinto Estado-Maior das Forças Armadas (EMFA) durante a ditadura militar (1964-1985) e revelam que o governo brasileiro forneceu armamentos militares ao Chile para a repressão interna no regime do general Augusto Pinochet (1973-1990). Um acordo iniciado no governo do general Emílio Garrastazu Médici (1969-1974), e posto em prática durante os primeiros anos do governo de Ernesto Geisel (1974-1979), propiciou à ditadura chilena milhares de fuzis, espingardas, cartuchos de munição e carregadores , entre outros equipamentos bélicos que foram classificados à época como “material destinado à manutenção da ordem interna”. Para o presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, Paulo Abrão, a reportagem é a “ponta do iceberg” para que se possam aprofundar os estudos sobre a colaboração das ditaduras latino-americanas: – Essas revelações são importantes porque há pouquíssima documentação no Brasil sobre esse assunto. O que se sabe hoje sobre a Operação Condor se deve aos arquivos de países vizinhos, como os Arquivos del Terror do Paraguai. O deputado Chico Alencar (PSOL-RJ), integrante da Comissão parlamentar Memória, Verdade e Justiça da Câmara, que realiza nesta semana um seminário sobre a Operação Condor – com a possível presença da secretária-geral adjunta da ONU, Michele Bachelet – destaca que a reportagem “desmonta a visão” que a historiografia tinha sobre o general Ernesto Geisel: – Esses documentos desmontam a visão de que Geisel seria um propulsor da abertura democrática ou que fizesse parte de uma linha dita mais humana da ditadura. Na verdade, ele tinha uma solidariedade plena com a barbárie dos regimes ditatoriais. A colaboração dele com regimes atrozes como o de Pinochet foi rápida, imediata e segura.
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O Globo informa que um dos principais personagens da luta armada contra a ditadura militar confessou ter participado pessoalmente da execução de um companheiro – um integrante da chamada “coordenação nacional” da Ação Libertadora Nacional (ALN). A confissão foi feita durante o programa Globo News Dossiê (a entrevista completa, que foi ar, será reprisada amanhã, às 11h05m, na Globo News). O autor da declaração: Carlos Eugênio Paz, o Clemente, comandante militar da Ação Libertadora Nacional, organização criada por Carlos Marighella para combater, com armas, o regime militar. Primeiro, Carlos Eugênio Paz falou genericamente sobre a decisão “colegiada”. Depois, ao ser perguntado pela terceira vez se tinha participado diretamente da execução, respondeu: – É uma informação que até hoje não dei. A verdade é que não dei porque ninguém teve esta atitude de me perguntar diretamente. Participei, sim, da ação. Um comando de quatro companheiros participou. Não fui sozinho. Os outros três estão mortos. Era decisão de organização. Ao quebrar um voto de silêncio que deveria durar até a morte, Carlos Eugenio Paz diz que quer dar o exemplo nestes tempos de Comissão da Verdade: se um ex-guerrilheiro confessa participação num ato “nada glorioso”, militares envolvidos em atos violentos deveriam, também, relatar o que ocorreu nos “porões”: A confissão do ex-comandante da ALN significa que uma cena ocorrida no dia 23 de março de 1971, na rua Caçapava, na Consolação, em São Paulo, ganhou um desfecho, 41 anos depois. Naquele dia, um comando da ALN formou uma expedição para executar a tiros o militante Márcio Leite de Toledo. Ex-estudante de sociologia de 26 anos, Toledo tinha sido enviado a Cuba para treinar guerrilha. Voltou, clandestino, ao Brasil. A volta coincidiu com a morte de dirigentes da ALN, capturados pelos órgãos de segurança. Márcio tinha dúvidas sobre se a tática de luta da ALN era correta. Resultado: reunido, o comando da ALN decidiu que Toledo passara a ser um perigo. Se desertasse, levaria consigo todos os segredos sobre as táticas de luta, identidade dos militantes e planos da ALN. Um encontro foi marcado na rua Caçapava. Quando chegou ao local, Toledo foi surpreendido pelo comando da ALN – que abriu fogo contra ele. Panfletos deixados no local diziam que a ALN, “uma organização revolucionária em guerra declarada, não pode permitir uma defecção desse grau em suas fileiras”.
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Guardado em sigilo por mais de três décadas, um conjunto de 40 relatórios encadernados detalha a destruição de aproximadamente 19,4 mil documentos secretos produzidos ao longo da ditadura militar pelo extinto SNI. As ordens de destruição, agora liberadas à consulta pelo Arquivo Nacional de Brasília, partiram do comando do SNI e foram cumpridas no segundo semestre de 1981, no governo de João Baptista Figueiredo. Do material destruído, o SNI guardou apenas um resumo, de uma ou duas linhas, que ajuda a entender o que foi eliminado. Entre os documentos, estavam relatórios sobre personalidades famosas, como o ex-governador do Rio Leonel Brizola, o arcebispo católico dom Helder Câmara, o poeta e compositor Vinicius de Moraes e o poeta João Cabral de Melo Neto. Alguns papéis podiam causar incômodo aos militares, como um relatório intitulado “Tráfico de Influência de Parente do Presidente da República”. O material era relacionado ao ex-presidente Emílio Garrastazu Médici, que governou de 1969 a 1974. Outros documentos destruídos descreviam supostas “contas bancárias no exterior” do ex-governador de São Paulo Adhemar de Barros ou a “infiltração de subversivos no Banco do Brasil”. Boa parte dos documentos eliminados trata de pessoas mortas até 1981. A análise dos registros sugere que o SNI procurava se livrar de todos os dados de pessoas mortas, talvez por considerar que elas não eram mais de importância para as atividades de vigilância da ditadura. Algumas das ordens de destruição foram assinadas pelo general Newton Cruz, que foi chefe da agência central do SNI entre 1978 e 1983. Em entrevista por telefone realizada na semana passada, Cruz, que está com 87 anos, disse que não se recorda de detalhes das destruições. Mas afirmou ter “cumprido a lei da época”. A legislação em vigor nos anos 80 abria amplo espaço para eliminações indiscriminadas de documentos. Baixado durante a ditadura, o Regulamento para Salvaguarda de Assuntos Sigilosos, de 1967, estabelecia que materiais sigilosos poderiam ser destruídos, mas não exigia motivos objetivos. Bastava que uma equipe de três militares decidisse que os papéis eram inúteis como dado de inteligência militar. A prática da destruição de papéis sigilosos foi adotada por outros órgãos estatais. Como o jornal revelou em 2008, pelo menos 39 relatórios secretos do Exército e do extinto Emfa foram incinerados pela ditadura entre o final dos anos 60 e o início dos 70.Segundo quatro “termos de destruição” arquivados pelo CSN, órgão de assessoria direta do presidente da República, foram queimados documentos nos anos de 1969 e 1972. Publicado no caderno ‘Poder’, da Folha.
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Continuação da matéria da Folha. O general da reserva Newton Cruz, que chefiou a agência central do SNI na época da destruição dos papéis, diz não se recordar do ato, mas afirma ter seguido a legislação em vigor. “Foi tudo de acordo com a lei da época. O SNI existia para assessorar o presidente da República na política do governo. É um órgão de informação, e a informação nascia de um processamento doutrinariamente resolvido. Ele cumpriu o papel dele e terminou aí”, afirmou. Para o general, documentos produzidos a partir de informantes do SNI deveriam ser todos destruídos. “Documento foi destruído para você não deixar aparecer pessoas que não tinham nada (a ver) com o problema, mas que tinham sido informantes e que tinham entrado no problema sob a garantia do sigilo profissional. Esses não podiam ir adiante.” Cruz disse “ter o maior interesse” na divulgação dos atos que assinou: “Pode vir à tona à vontade”. Para ele, a história do combate à guerrilha do Araguaia “foi escondida” pelas Forças Armadas, mas “foi um esconderijo burro”. Na época, ele era adido militar na Bolívia e disse ter tomado conhecimento da guerrilha só anos depois. “Se você está combatendo uma guerrilha, vai ter o máximo interesse de que o país saiba que está havendo uma guerrilha contra o governo. Por que esconder? Esconde até que um dia aparece.” O tenente-coronel da reserva Osmany Meneses de Carvalho, 75, que também assina alguns termos de destruição, disse que a inutilização “era parte da rotina”. “Periodicamente, nós fazíamos a revisão do arquivo. O que não valia mais era descartado, não era nem avaliado por mim. Eu era apenas encarregado da localização de documentos. Esses documentos eram coisas que não tinham mais nada a ver com a história, coisas passadas”, afirmou.
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Criada para relatar segredos da ditadura militar, a Comissão da Verdade optou por uma agenda secreta de trabalho. Até agora, o grupo só colheu testemunhos sigilosos de agentes da repressão, obrigando-os a assinar termo de compromisso de não dar entrevistas após prestar informações. A posição contraria o discurso adotado pelo governo durante a tramitação do projeto de lei que criou a comissão e também do que aconteceu em outros países. Há duas semanas, o grupo ouviu Harry Shibata, ex-médico legista do IML-SP, que produzia laudos falsos para acobertar crimes da ditadura. Foi Shibata quem atestou que o jornalista Vladimir Herzog, torturado e assassinado numa cela do DOI-Codi, de São Paulo, em 1976, “cometeu” suicídio. O relato do legista à comissão foi mantido em sigilo. A comissão se limitou a informar, uma semana depois, que Shibata tinha prestado um depoimento “frustrante”. Integrantes da comissão argumentam que o sigilo é pedido pelas testemunhas que, assim, ficariam mais à vontade para esclarecer episódios obscuros. O sigilo, no entanto, não impediu que Shibata desse um depoimento “fraco”, uma avaliação do grupo. Ivo Herzog, filho de Vladimir, disse compreender o uso do sigilo. “A gente não teve acesso ao conteúdo, só ouviu rumores”, afirmou Ivo, que considerou “decepcionante” a postura de Shibata. “Em certos momentos, isso é interessante. Mas a questão precisa ser debatida.” No começo da semana passada, os advogados Rosa Maria Cardoso e José Carlos Dias, integrantes da comissão, disseram que o grupo definiu uma agenda que incluirá depoimentos em sessões abertas. Não informaram, porém, os critérios que vão definir essas ações. O colegiado tem prazo de dois anos para apresentar relatório final com suas conclusões. Para o historiador Jair Krischke, do Movimento de Justiça e Direitos Humanos, a comissão infringe a Constituição Federal ao esconder suas reuniões. “A Constituição só prevê a regra do sigilo no serviço público em casos envolvendo segurança nacional e direito de família”, disse. “Vejo o sigilo com um profundo desprazer. A transparência é uma exigência. A comissão começou mal”, ressaltou. “Com o sigilo, fico em dúvida se o relatório será fiel aos depoimentos.” Na avaliação de Krischke, quem deveria dizer se um depoimento foi frustrante são os parentes das vítimas, entidades de direitos humanos e a opinião pública. Ele pôs em xeque o tratamento dado a Shibata. “Será que as perguntas feitas a ele foram as mais adequadas e oportunas?”Desde sua instalação, em maio, a comissão se reúne nas tardes de segunda-feira. No final do dia, Gilson Dipp, ministro do STJ, atua como porta-voz do grupo e passa informações genéricas sobre as atividades. Ele e outros integrantes da comissão dizem que precisam de tempo para organizar e estruturar os trabalhos. Argumentam que ainda que estão montando a equipe de assessores. Publicado no caderno ‘Nacional’, do Estado.
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Arquivos do SNI reúnem relatórios do “estouro de aparelhos da VAR-Palmares” em 1970 que apontam a atuação de Dilma Rousseff como uma espécie de tesoureira da organização em que militava. Ao entrar em imóveis utilizados pela VAR-Palmares, militares da Oban relatam ter encontrado armas, munição, um mimeógrafo utilizado para rodar manifestos subversivos, documentos e um organograma que indica a posição que a atual presidente do Brasil e ex-militante Dilma ocupava na organização. Os documentos, reunidos sob o título Recentes Diligências da Operação Bandeirante, indicam que os militares monitoravam as atividades financeiras de Dilma na VAR-Palmares, em São Paulo. Depoimentos de integrantes da organização e fragmento de relato registrado como de Dilma, quando esteve detida no presídio Tiradentes, indicam que ela era responsável por receber e repassar recursos do comando nacional da Var-Palmares para custear os setores de imprensa, operações, estudantil, operário e inteligência no estado. Também recebia verbas de integrantes de “expropriação”, composto por membros da organização encarregado dos furtos, arrecadação para compor o que era chamado de “fundos para uma revolução popular”. Esse montante não passava pelo comando nacional, sendo enviado diretamente para Dilma. Organograma da VAR-Palmares: Dilma aparece à direita, identificada como Luiza. Acompanhando os passos dela, os militares tinham informes que davam conta de sua transferência do Rio de Janeiro para São Paulo, com a missão de coordenar a organização. “Ultimamente, vinha operando na Guanabara. Foi mandada a São Paulo em dezembro de 1969 pelo Comando Nacional da Var-Palmares para reestruturar tal organização subersiva-terrorista.” A Oban também tinha o objetivo de chegar ao comando da Var-Palmares por meio da militante. “Dilma Vana Rousseff Linhares, também conhecida pela falsa identidade de Maria Lúcia Santos, condinome Luiza. Membro muito importante da VAR-Palmares. Pertenceu à Colina, veio a São Paulo para reorganizar a Var-Palmares. Ela é o elemento de ligação com o Comando Nacional da VAR-Palmares, de quem recebe dinheiro para custear a subversão na área. Através dela se pretende chegar ao pessoal do Comando Nacional.” Publicado no Correio.
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Continuação da matéria do Correio. No organograma da VAR-Palmares, o ex-marido de Dilma Rousseff, Carlos Franklin Paixão de Araújo, também conhecido como Max, figurava como um dos principais líderes da organização. A posição custou a ele severa sessão de depoimentos e acareações, de acordo com documento do Ministério do Exército, que também faz parte do acervo do Arquivo Nacional. No termo de declaração de 4 de setembro de 1970, os militares registraram relato de Araújo sobre o plano da VAR-Palmares “do sequestro com resgate monetário de um indivíduo dono do supermercado Pão de Açúcar” identificado como Manoel. Ele também teria relatado processo de compra de armamento para a organização. Uma das transações teria ocorrido por meio da “regional de Brasília”, onde o militante “Tião” foi encarregado de comprar metralhadoras, mas “desapareceu com o dinheiro”. A outra transação teria ocorrido no Rio de Janeiro, mas os integrantes da Var-Palmares destacados para a compra de armamento foram presos, frustando a ação. Nas acareações a que Araújo foi submetido, ele contou aos interrogadores que a organização tinha um “projeto de comunicações”, com o objetivo de construir uma emissora para transmitir sinal de rádio, de Belém a Porto Alegre. O objetivo era interferir nos programas de grande audiência, com a participação de integrantes da Var-Palmares lendo manifestos políticos que informassem a sociedade sobre os crimes praticados pelo governo militar. “O interrogado esclarece que nada foi feito por não concordar com o mesmo, porque o segundo pedido era completamente impraticável”, conclui o relatório militar.
LEI DE ACESSO À INFORMAÇÃO
O Globo noticia que divulgação dos salários de todos os servidores públicos do Executivo Federal, que começou nesta semana por força da Lei de Acesso à Informação, revelou o tamanho da discrepância entre as remunerações de diferentes áreas. Embora em toda campanha eleitoral candidatos apregoem nos palanques que ensino e saúde são prioridades do país, isso não se reflete na estrutura salarial do funcionalismo Federal. Entre as carreiras de nível superior, ninguém recebe tão pouco quanto professores e médicos. As diferenças chegam a 580% quando se compara o salário inicial de um professor auxiliar universitário ou de escolas técnicas em início de carreira, com 40 horas semanais, com o de um advogado da União com mesma carga horária: o primeiro começa com R$ 2,2 mil; o segundo, com R$ 14.970. Essa discrepância na folha de pagamento Federal é um reflexo do que já se verifica na iniciativa privada. Esse mesmo advogado chega ao setor público ganhando 368% a mais que um médico Federal de início de carreira, que tem salário de R$ 3,2 mil. O jornal fez levantamento dos salários de todas as carreiras de nível superior do serviço público Federal – do Executivo, do Legislativo e do Judiciário. Na elite do Executivo, estão carreiras como delegado da Polícia Federal, perito criminal, advogado da União, procurador Federal, auditor fiscal da Receita e diplomata. Todos têm salários iniciais a partir de R$ 13 mil e no fim da carreira os vencimentos passam dos R$ 18 mil, isso sem contar gratificações.