A LEI USTRA (OU CURIÓ) DA ANISTIA JÁ ASSA

O Brasil não aguenta mais viver sob o opróbrio da Lei Curió da Anistia.

Ao ler os primeiros capítulos de “Mata ! – o major Curió e as guerrilhas do Araguaia”, de Leonencio Nossa, editado pela Companhia das Letras, uma dúvida apossou-se do ansioso blogueiro.

Chamar a Lei da Anistia que nos envergonha de “Lei Ustra da Anistia” ou “Lei Curió da Anistia”.

Quem representa melhor o Brasil que se esconde atrás da Lei da Anistia: Ustra, que acaba de ser condenado.

Ou Curió, o herói que reviveu no Araguaia o que a República adolescente fez em Canudos: um morticínio!

Isso vai durar pouco.

O Brasil não aguenta mais viver sob o opróbrio da Lei Curió da Anistia.

Aquela que Eros Grau relatou e a maioria do Supremo seguiu.

Com o argumento de que foi resultado de “un gran acuerdo”- o acordo do lobo e do cordeiro à beira do Lago Paranoá.

Para entender por que o Supremo, breve, se arrependerá do que fez, leia a entrevista que o Procurador da Republica Marlon Weichert deu à BBC:

MP INVESTIGA 70 CASOS PARA ABRIR PROCESSOS CONTRA AGENTES DO REGIME MILITAR

 


Ruth Costas
Da BBC Brasil em Londres

Jovens protestam para pedir a prisão de torturadores do regime militar durante a Rio +20: debate reaberto

O Ministério Público Federal (MP) está investigando mais de 70 casos de abusos aos direitos humanos cometidos pelo regime militar para propor ações criminais contra agentes da repressão responsáveis por mortes ou desaparecimentos no Brasil.

A informação é do Procurador da República Marlon Weichert, que conversou com a BBC Brasil durante um seminário do Transitional Justice Research Group da Universidade de Oxford para discutir o que vem sendo chamado de “justiça de transição” – as medidas e iniciativas introduzidas em vários países para lidar com violações aos direitos humanos de regimes autoritários e guerras civis.

No entendimento de alguns promotores brasileiros, a Lei de Anistia, que tem garantido impunidade por abusos contra direitos humanos cometidos durante o regime militar, não pode ser aplicada em casos de crimes mais graves, como sequestro, tortura e morte sob custódia.

Eles argumentam que a decisão da Corte Interamericana dos Direitos Humanos sobre o caso Araguaia trouxe novos parâmetros para a interpretação da Lei de Anistia, e estão empenhados em levar militares e policiais ao banco dos réus com base nessa nova interpretação.

Em 2010, a Corte exigiu que o Brasil investigasse e punisse os responsáveis pelas mortes no Araguaia e condenou o uso da Lei de Anistia para impedir a perseguição criminal de agentes da repressão.

Envolvido nas buscas de corpos de desaparecidos desde 1999, Weichert é um dos mais ativos defensores dos direitos das vítimas da repressão dentro do Estado brasileiro. Instaurou inquéritos que permitiram a retomada da identificação das ossadas do cemitério de Perus e a reunião de provas sobre a repressão no Araguaia.

Segundo o promotor, dois grupos de trabalho foram criados no MP no ano passado para montar casos contra policiais e militares: um focado em investigações criminais, outro dedicado a ações civis pedindo que torturadores reembolsem o Estado pelas indenizações a suas vítimas.

Um precedente importante nessa área foi criado na semana passada, quando o coronel da reserva Carlos Alberto Brilhante Ustra foi condenado por uma corte paulista a pagar R$ 100 mil a familiares do jornalista Luiz Eduardo Merlino, torturado e morto em 1971.

Ao contrário do que acabou ocorrendo em países como Chile e Argentina, juízes brasileiros ainda resistem muito em aceitar exceções ou reinterpretar a Lei de Anistia.

Antes da decisão da Corte Interamericana dos Direitos Humanos, o Supremo Tribunal Federal respondeu a um pedido da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para revisar a aplicação da Lei de Anistia dizendo que não cabia ao Judiciário revisar o “acordo político” que resultou na adoção dessa lei.

A seguir, a entrevista de Weichert à BBC Brasil:

“Pedimos que agentes da repressão sejam impedidos de exercer cargos públicos, tenham seus proventos de aposentadoria cassados e sejam obrigados a repor aos cofres públicos indenizações pagas a vítimas e familiares”
Marlon Weichert, procurador da República

BBC Brasil – A recusa do Supremo Tribunal Federal de reinterpretar a Lei de Anistia não encerrou o assunto?

Marlon Weichert – Não. A decisão da Corte Interamericana foi emitida depois disso e diz que a anistia não pode barrar punições por violações graves. Ao reconhecer a jurisdição da Corte, o Brasil aceitou que houvesse um duplo crivo para a análise de casos de abusos aos direitos humanos no país. A Lei de Anistia não passou pelo segundo crivo.

BBC Brasil – Mas a decisão da Corte foi ignorada pelo Brasil…

Weichert – Para nós, do MP, a decisão foi um divisor de águas e somos um órgão do Estado. Hoje mais de 70 investigações estão em curso para embasar ações criminais contra policiais e militares – e a maioria foi aberta no último ano.

BBC Brasil – O que mais está sendo feito?

Weichert – Foram formados dois grupos de trabalho no qual estão trabalhando de 20 a 30 promotores. Um para ações civis e outro para criminais. O primeiro grupo abriu oito processos contra torturadores e pessoas que ajudaram a ocultar corpos e há mais dez investigações em curso. Pedimos que agentes da repressão sejam impedidos de exercer cargos públicos, tenham seus proventos de aposentadoria cassados e sejam obrigados a repor aos cofres públicos indenizações pagas a vítimas e familiares.

O segundo grupo toca essas 70 investigações criminais. Duas ações já foram requeridas na Justiça (contra Ustra e o coronel reformado Sebastião Curió). Por enquanto, os juízes não têm sido favoráveis, mas esperamos uma mudança.

BBC Brasil – Há consenso sobre o tema no MP?

Weichert – Não. Mas os promotores agem com independência. Quando começamos a buscar desaparecidos só eu e uma colega apoiávamos ações criminais. Agora, metade dos promotores parece ser favorável a essa posição. Além disso, no ano passado a Coordenação dos Direitos Humanos e a de Direito Criminal do MP estabeleceu que deveríamos cumprir a decisão da Corte Interamericana.

BBC Brasil – Como essas investigações se articulam com a Comissão da Verdade?

Weichert – Pode haver uma sinergia (entre as investigações), embora não haja dependência. Nossas investigações têm por base pesquisa documental e depoimentos das vítimas.

BBC Brasil – Mas por que o empenho do MP nesse momento? Por que os juízes mudariam de ideia?

Weichert – A Constituição atribuiu ao MP o dever de defender os direitos humanos e buscar ações penais. É nossa obrigação abrir esses processos. Hoje há preconceito dos juristas brasileiros com o direito internacional. Temos uma cultura jurídica de 50 anos atrás. Mas vários países passaram por essa transição e acabaram aceitando a autoridade do direito internacional. No Brasil não será diferente. Na pior das hipóteses em quatro ou cinco anos a decisão da Corte Interamericana acabará sendo cumprida. E mesmo antes disso teremos decisões favoráveis.

BBC Brasil -O Brasil começou sua política de reparações pelas indenizações financeiras. Desembolsou mais de R$ 2 bilhões antes que uma comissão da verdade abrisse o debate sobre os danos a serem reparados. Além disso, as maiores indenizações não foram para parentes dos mortos, mas para aqueles forçados a abandonar altos cargos no período autoritário. Isso tudo não prejudicou a causa das vitimas frente a opinião pública?

Weichert – Talvez esse não tenha sido o melhor caminho, mas foi o caminho possível. Não há receita de bolo para se fazer “justiça de transição”. No caso da política de indenizações, o problema foi o desenho das leis que a definem.

BBC Brasil – O que esperar da Comissão da Verdade?

Weichert – Ela cumpre um papel crucial, embora sem punições seu trabalho estaria incompleto. A punição de uma pessoa dissuade outras de cometerem o mesmo crime e ajuda a prevenir de forma geral as violações aos direitos humanos. Ainda assim, a comissão pode ter um grande impacto se ajudar a acabar com os enclaves autoritários nas instituições brasileiras. Ainda temos estatutos escritos na ditadura regendo a ação de militares e policiais.

BBC Brasil – O brasilianista Anthony Pereira, do King’s College, diz que o Judiciário brasileiro é reticente em aceitar processos contra militares porque muitos perseguidos políticos passaram pelos tribunais durante o regime. Como vê essa tese?

Weichert – O Judiciário precisa fazer uma autocrítica ao seu papel no regime. O fato de o Congresso e a Justiça continuarem ativos deu uma fachada de legalidade à ditadura e hoje complica a depuração do que aconteceu no Brasil – porque no imaginário de parte da sociedade não houve ruptura. Por isso é importante que a Comissão da Verdade promova uma avaliação do papel das instituições no regime militar. Ela poderia convidar não só o Judiciário, mas também o MP e outras instituições para tentar entender por que aderiram a um sistema arbitrário ilegal.

 

Fonte – Conversa Afiada

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