Espetáculos latinos retratam passado de repressão

Um teatro calcado em reminiscências. Impressões pessoais. Episódios autobiográficos que se amarram no palco. Tudo isso para dar conta de um passado que em muito transcende a dimensão individual: a intenção é falar de ditadura militar, repressão e dos seus impactos na vida de uma nação inteira.

“Mi Vida Después” – espetáculo que é um dos destaques do Cena Contemporânea, festival de teatro de Brasília que se estende até o dia 29 – revive o período ditatorial na Argentina a partir das memórias de seis atores nascidos entre os anos 1970 e 80. Abandona a ideia de denúncia ou homenagem, tão em voga quando o assunto são os traumáticos governos autoritários da América Latina. Antes, prefere vasculhar a intimidade para chegar à política. “Me interessa o cruzamento das histórias pessoais e da história de um país. Creio que a dimensão biográfica, íntima de uma obra é o mais poderoso”, disse à reportagem a diretora Lola Arias. “Não é uma obra que fala de ditadura de uma maneira geral, mas de como a vida de determinadas pessoas, que nasceram nessa época, foi afetada por essefato.”

Um dos nomes mais festejados da fervilhante cena portenha, Lola Arias borra as fronteiras entre realidade e ficção. Mas não é a única a valer-se da prerrogativa para examinar a história recente de seu país. No mesmo festival de Brasília, procedimentos semelhantes atravessam outras criações latinas. Ainda que, curiosamente, não despontem com o mesmo ímpeto nas produções brasileiras.

Tanto na peça mexicana “El Rumor del Incendio”, quanto em “Villa + Discurso”, vinda do Chile, jovens artistas, que não viveram sob a égide ditatorial, examinam as motivações e os impasses vivenciados por seus pais. “Como filhas da ditadura, essas personagens não viveram a experiência da geração anterior. Portanto, são capazes de questionar tudo isso do ponto de vista da memória”, considera o encenador e dramaturgo chileno Guillermo Calderón.

Em “Villa + Discurso”, Calderón combina duas peças na mesma obra. A primeira delas focaliza o encontro de três mulheres, filhas de vítimas do governo Augusto Pinochet. Caberá a elas decidir que destino dar ao espaço da Villa Grimaldi – principal centro de tortura do regime. Na segunda metade da criação, o que se observa é um fictício pronunciamento de despedida de Michelle Bachelet. Última dirigente do Chile, Bachelet foi vítima da ditadura. Ao assumir o poder, teve a chance de rever crimes e fatos não revelados da época. Estranhamente, contudo, preferiu silenciar a reviver o assunto. “Teatro também se faz no calor do momento. Não busco objetividade. Não preciso ter distanciamento histórico”, observa o autor.

 

Fonte – O Estado de S. Paulo.

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