‘Comissão da Verdade do ABC’ quer analisar repressão a sindicalistas

No próximo ano, a Câmara Municipal de São Bernardo do Campo, região metropolitana de São Paulo, pode ter a sua própria Comissão da Verdade. Em uma região-símbolo da atuação do sindicato dos metalúrgicos em greves históricas – das quais surgiram políticos de destaque como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva -, o foco seria investigar a repressão militar contra membros das mobilizações nos anos 70 e 80. O que inclui episódios de violência, perseguições, prisões e espancamentoscs, mas também intervenções do governo nos sindicatos e a cassação dos direitos políticos de seus associados e diretores.

As greves dos metalúrgicos dos anos 70 e 80 reuniam centenas de milhares de pessoas e tornaram conhecidas nacionalmente personalidades como Lula. Foto: Acervo do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC/Divulgação

A proposta, do ex-deputado estadual e líder sindical Wagner Lino, ainda visa realizar um levantamento e cadastro dos presos políticos da época, colher depoimentos e redigir um documento que narre a repressão militar no ABC. O relatório seria entregue à Comissão Estadual da Verdade para ser enviada à Brasília. “No caso de municípios que têm maior acúmulo de história relativa à repressão da ditadura, é mais fácil e produtivo que eles estabeleçam suas próprias comissões e produzam material para as comissões estaduais e para a Comissão Nacional”, diz Lino.

Um raciocínio apoiado por Glenda Mezarobba, pesquisadora da Unicamp e especialista em ditadura brasileira. Segundo ela, essas iniciativas evidenciam o interesse pelo período e subsidiam o trabalho da comissão nacional com elementos de todas as regiões do Brasil, o que seria difícil obter apenas em Brasília. “Ações com foco mais reduzido podem trazer achados importantes para o relatório final, além de o caráter local poder estimular vítimas que nunca contaram suas histórias a fazê-lo.” Seria, entretanto, importante buscar uma sintonia com a Comissão Nacional, para estabelecer uma metodologia de trabalho única e facilitar o uso dos dados, mesmo que os focos de pesquisa sejam distintos.

Antes da escolha da metodologia seria, porém, interessante definir os ângulos de pesquisa no ABC. Para Marcos Francisco Napolitano de Eugenio, do departamento de história da USP e especialista em ditadura no ABC, grande parte das prisões ocorridas nas greves do final dos anos 70 e 80 já está documentada nos procedimentos da ditadura. Como a do ex-presidente Lula, detido por mais de um mês em 1980 quando presidia o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, durante uma greve de 41 dias que envolveu 140 mil metalúrgicos. Portanto, o acesso à verdade nestas circunstâncias é mais fácil. Diferentemente dos casos de desaparecidos, torturados, perseguições e delações na região. “Avaliar estes últimos aspectos é mais interessante.”

Foto: Acervo do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC/Divulgação

E, dentro deste quadro, Eugenio propõe o estudo da ação e prisões clandestinas do Doi-Codi nas greves. “Eles prendiam sindicalistas quase em forma de sequestro em uma atuação semiclandestina e violenta.” Cloves de Castro, membro do Fórum de Ex-Presos e Perseguidos Políticos de São Paulo, vai além e destaca a possibilidade de analisar como o regime atuava em parceria com o empresariado local. “Seria importante ver como o regime beneficiou patrões que perseguiam e matavam trabalhadores rebeldes.”

A proposta da comissão regional visa também que a iniciativa em Brasília force o Estado a reconhecer as medidas adotadas à época como criminosas. Entre elas, as leis antigreve, a Lei de Segurança Nacional e a suposta “Lista Negra”, documento com nomes de trabalhadores ligados ao sindicato utilizado por empresas para impedir que essas pessoas conseguissem empregos na região. Sobre a lista, Castro destaca a existência de um grupo em São Paulo, do qual faz parte, para identificar as pessoas no documento e quais empresas a utilizavam. “É uma contribuição para que se revele essa memoria histórica sobre a violação dos direitos humanos e da cidadania no período.”

 

Fonte – Carta Capital

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *