Inédito na TV, filme relata tortura no Brasil

 

Produzido por americanos nos anos 1970, documentário mostra abusos na ditadura

Trêmulo, em um portunhol sofrível e visivelmente abalado, o frade dominicano Frei Tito narra sua saga pelos porões da ditadura brasileira. “Me torturaram por três dias seguidos. No terceiro, um capitão de nome Albernaz [Benoni de Arruda Albernaz] me torturou por 20 horas. Recebi fortes pancadas, choques elétricos em todo corpo.”

 

Ele prossegue: “No quarto dia, sabendo que voltaria para a tortura, tentei a morte cortando o pulso, numa tentativa de pôr fim à tortura”.

O relato, premonitório, é um dos depoimentos de presos políticos reunidos em “Brasil – O Relato de uma Tortura”, documentário produzido para a TV americana há 40 anos para denunciar as violações aos direitos humanos no regime militar brasileiro (1964-1985).

Depois de 40 anos, ele foi exibido pela primeira vez na televisão brasileira domingo, à 0h15, no Canal Brasil.

Produzido pelos cineastas americanos Haskell Wexler e Saul Landau (Wexler foi diretor de fotografia de “Um Estranho no Ninho”), o documentário retrata o “Grupo dos 70”, presos políticos levados para o Chile em troca da libertação do embaixador suíço no Brasil Giovanni Enrico Bucher, o último diplomata sequestrado pela esquerda armada, no final de 1970.

No Chile, Wexler e Landau produziam um documentário sobre o então presidente Salvador Allende. Souberam dos brasileiros e gravaram as entrevistas em janeiro de 1971.

Os próprios brasileiros encenam as práticas a que os presos foram submetidos. Eram muitas: pau de arara, afogamentos, choques, palmatórias e “pau de estrada”, que consiste em amarrar os braços do preso em um carro e as pernas em outro, cada um indo em uma direção.

A encenação do “pau de estrada” (veja cenas ao lado) foi feita pelo chileno Jorge Mueller, assistente de câmera. Ironicamente, dois anos depois, quando Augusto Pinochet depôs Allende, ele foi preso, torturado e, consta, jogado ao mar. Mueller integra a lista dos desaparecidos políticos chilenos.

Dos 70 brasileiros, 16 já morreram -alguns tragicamente, ao retornar para a luta armada no Brasil. Três deles se mataram. Maria Auxiliadora Lara Barcelos, que sofreu torturas sexuais, enforcamento e simulação de fuzilamento, se jogou nos trilhos do metrô de Berlim em 1976.

Gustavo Buarque Schiller pulou do prédio em que vivia, em Copacabana, em 1985.

Frei Tito se matou enforcado no interior da França, em 1974. No depoimento, ele resume aqueles anos: “A única coisa democrática no Brasil é a tortura”.

 

 

Fonte – Folha de S.Paulo

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *