Ditadura assassinou mais de mil

A Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República efetuou um estudo no sentido de definir com maior precisão quais os cidadãos brasileiros que foram assassinados pela ditadura militar. O número geralmente admitido, de 426 mortos e desaparecidos políticos (o que dá no mesmo: desapareceram da face da Terra…), foi apurado quase apenas no universo restrito de militantes pertencentes aos principais partidos e organizações de esquerda, sobre os quais se têm mais informações.

O novo estudo analisou os casos envolvendo outras 1.200 pessoas e confirmou que pelo menos a metade foi também morta. São camponeses, sindicalistas, líderes rurais e religiosos, padres, advogados e ambientalistas assassinados nos grotões do País – a maioria na região amazônica. Todos os óbitos têm relação direta ou indireta com a repressão ditatorial. O documento será encaminhado às comissões da Verdade e dos Mortos e Desaparecidos Políticos, às quais cabe dar a última palavra no assunto.

Se forem reconhecidos como vítimas da ditadura, seus pais, esposas e filhos poderão pleitear indenizações, décadas depois de terem sido privados dos seus entes queridos. O autor do estudo é Gilney Viana, ex-preso político que coordena o projeto Direito à Memória e à Verdade.

Mataram por engano

Eis mais detalhes da boa matéria de Lucas Ferraz, da sucursal da Folha de S.Paulo em Brasília:

“O reconhecimento dessas vítimas é uma antiga reivindicação de organizações como Comissão Pastoral da Terra e Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra. Muitos foram assassinados a mando de fazendeiros ou políticos que tinham ligações com o regime.

Um exemplo é o que ocorreu no sul do Pará e hoje norte do Tocantins após a Guerrilha do Araguaia (1972-1974), quando mateiros, camponeses e ativistas foram assassinados – muitos por ex-agentes e militares – sob o pretexto de ‘limpeza’ da área ou para apagar vestígios dos conflitos com os guerrilheiros do PCdoB.

Alguns dos casos são emblemáticos, como a execução do advogado Paulo Fonteles, no Pará, em 1987. Envolvido em disputas de terras na região, sua morte contou com a participação de um ex-agente do SNI (Serviço Nacional de Informações).

Outro assassinato citado no estudo é o do padre João Bosco Burnier, em Mato Grosso, em outubro de 1976. O autor do crime foi um policial militar que acertou a pessoa errada – o alvo era dom Pedro Casaldáliga, um dos principais expoentes da Teoria da Libertação na Igreja Católica e perseguido pelos militares, que estava ao lado de Burnier.

O estudo da Secretaria de Direitos Humanos não aborda a matança de índios na ditadura (alguns pesquisadores estimam em mais de 2.000 vítimas indígenas), tema de uma outra investigação que organismos de direitos humanos querem levar para a Comissão da Verdade. ‘São vítimas da repressão e da opressão’, afirmou à Folha o frade dominicano Frei Betto sobre o estudo do governo federal: ‘É uma lista até tímida perto do que a gente sabe que de fato aconteceu. E não só entre o povo do campo. Índios, por exemplo, foram exterminados na construção da Transamazônica’.”

 

Por Celso Lungaretti – jornalista, escritor e ex-preso político – http://naufrago-da-utopia.blogspot.com]

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