Viúva do presidente João Goulart fala sobre Golpe Militar e elogia Dilma

No armário do Torto, que ocupava uma parede inteira, ficaram as peças que o costureiro Dener Pamplona de Abreu (1937-1978) confeccionara especialmente para ela: trajes de gala, peças esportivas

Joias, obras de arte, prataria, carros, cavalos, cachorros, vestidos, sapatos, bolsas. Ficou tudo para trás. Umas poucas roupas e alguns pertences foram colocados em sacolas e ela tomou o avião para o exílio com os dois filhos pequenos.

“Pensei que ia voltar. Não levei uma fotografia, um quadro”, lembra Maria Thereza Fontella Goulart. Era 1º de abril de 1964 e o golpe militar derrubava o seu marido, Jango (1919-1976), da Presidência da República. Partiu da Granja do Torto, em Brasília, para a fazenda da família no Rio Grande do Sul e, depois, para o Uruguai.

Na escala da viagem, viveu o momento mais melancólico de sua vida. Foi quando, na madrugada seguinte, viu pela janela do avião a fazenda de São Borja: “Estava perdida, com as crianças, e vi aquela paisagem triste, que eu detestava”.

Jango estava em Porto Alegre, mas, mesmo assim, o então presidente do Senado, Auro de Moura Andrade (1915-1982), declarou vaga a Presidência da República e desligou os microfones e as luzes do plenário.

Maria Thereza só voltaria a morar no Brasil em 1980, quando já era viúva e a ditadura agonizava. Não sabe onde foram parar presentes que ganhara de Jango: algumas joias e uma Mercedes novinha.

No armário do Torto, que ocupava uma parede inteira, ficaram as peças que o costureiro Dener Pamplona de Abreu (1937-1978) confeccionara especialmente para ela: trajes de gala, peças esportivas. “Não sei o que fizeram com as minhas roupas”, lamenta. Mas um vestido ela conseguiu recuperar.

Um pouco antes do golpe, um vestido de renda francesa, que precisava de um conserto no ombro, tinha sido enviado para o ateliê da costureira Matilde, no Rio. Por 16 anos, ele ficou guardado, até que a filha da costureira, Vera Lúcia, procurou a primeira-dama, que havia retornado ao Brasil, para entregar a peça de Dener consertada.

TIRO AO ALVO

Aos 71 anos, Maria Thereza ainda pode vesti-lo. Magra e “supervaidosa”, ela recebe a Serafina no apartamento da filha, Denize, às margens da lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio, onde gosta de fazer caminhadas.

Pela sala, porta-retratos mostram a jovem Maria Thereza com Jango: na fazenda, em São Borja, na Casa Branca, no Vaticano. “Minha vida foi uma correria. Casei muito jovem, aos 17 anos, com uma pessoa já muito importante.”

Em 1955, João Goulart era vice de Juscelino Kubitschek e, com o casamento, ela saltou do internato em Porto Alegre, onde completara o ginasial, para a corte no Rio.

Ele era 12 anos mais velho e fazia parte da família mais rica da região. Ela gostava de participar de desfiles de moda nas férias e ganhava campeonatos de tiro ao alvo com espingarda.

Os dois eram vizinhos em São Borja, mas só se conheceram quando ela foi entregar a ele uma correspondência. Jango era ministro do Trabalho de Getúlio Vargas. Ele tinha 34 anos, praticamente a mesma idade com que seu sobrinho-neto, Carlos Daudt “Brizola Neto”, 33, chegou ao mesmo ministério, há três meses.

Na posse, Dilma Rousseff enfatizou essa ligação histórica e Maria Thereza gostou. “Ela é guerreira”, afirma. Há 50 anos, quando estava no Planalto, “as mulheres eram mais esposas”, lembra.

JACKIE KENNEDY

Aos 21 anos, primeira-dama mais jovem do país, ela foi classificada pela revista “People” como uma das dez mais belas do mundo. Comparada à mulher do então presidente dos EUA, foi apontada como a Jackie brasileira.

Inexperiente nas lides da corte, Maria Thereza teve um apoio vital para comandar jantares e recepções: as palavras de Risoleta Neves, mulher de Tancredo, político que dividiu o poder com Jango no fugaz período parlamentarista (setembro de 1961 a janeiro de 1963).

Logo que chegou à nova capital federal, ela detestou o Palácio da Alvorada. Preferiu viver na Granja do Torto, onde os filhos podiam brincar mais livres. Chegaram a ter 18 cachorros, além de cavalos. Ela gostava de cavalgar o puro-sangue inglês Imperador, presente de Amaury Kruel, ministro da Guerra, que aderiu ao golpe.

Deixando de lado a turbulência daqueles dias, opina que a política era então “mais simpática e interessante do que hoje. A equipe do Jango tinha afinidade. Eram todos bonitos: Darcy Ribeiro, Almino Afonso, Waldir Pires”, diz.

MULHERIO

Sobre os conhecidos casos extraconjugais de Jango, Maria Thereza tem resposta pronta.

“Ele tinha muito charme. O mulherio caía em cima. Nunca fui a segunda nem a terceira. Sempre fui a primeira. Não me preocupava com isso.”

Para Maria Thereza, Jango “sempre foi injustiçado e muito esquecido. Escrevem que ele era milionário. Ele era rico, mas com o trabalho dele, tinha fazenda, gado. Perto dos que hoje existem, nem era tão rico assim”.

Ela diz que a ditadura tentou apagar a imagem do marido. “Tem pessoas que acham que ele foi fraco. Ele deveria ser lembrado pela sua dignidade, correção, lealdade a seus propósitos.”

Maria Thereza ainda tem dúvidas sobre as razões da morte de Jango, em dezembro de 1976, na Argentina. Ele teria morrido de ataque cardíaco ou teria sido envenenado no bojo da Operação Condor?

“Ele tinha problema cardíaco, mas, quando faleceu, não apresentava nenhum sintoma de cansaço, mal-estar, tinha emagrecido, estava ótimo.”

A ex-primeira-dama diz ter certeza de que a família era observada no exílio.
“Tinha gente infiltrada. Ao mesmo tempo, tiveram muita oportunidade de fazer qualquer coisa com ele, pois Jango não andava com segurança e vivia sozinho, cuidando das fazendas.”

Acha “genial e bem-intencionada” a criação da Comissão da Verdade, mas duvida dos seus resultados. “O tempo apaga muita coisa”, declara.

Na memória, guarda boas lembranças da rotina familiar no início do exílio no Uruguai. Depois, o golpe militar de 1973 no país vizinho mudou o quadro. “Começou a ficar pesado, houve perseguição, sofrimento”, diz.

Chegou a ser detida no Uruguai, depois de seu carro ser parado em uma blitz policial. No porta-malas, levava carne. Uma lei da época regulava o consumo do produto e vetava a formação de estoques.

“Foram supergrosseiros. Ficaram me cutucando com a arma. Fiquei sentada dois dias, com um frio enorme, sem poder me comunicar com ninguém”, conta. Só pôde telefonar para a família quando deu US$ 100 para um guarda, que ainda exigiu um relógio caro.

NETOS

Numa rara viagem ao Brasil durante o exílio, para visitar o pai doente em Porto Alegre, foi detida nos arredores de Rio Grande (RS).

“Quando viram que era eu, eles me mandaram descer do carro. No quartel, uma militar me mandou tirar toda a roupa. Foi uma humilhação. Ficamos dois dias e meio lá.”

Durante sua longa viuvez, Maria Thereza teve alguns namorados, sempre mais moços. Hoje, afirma que vive para os oito netos e que não tem mais paciência para romances. “Estou muito velha para isso”, diz.

Lembra da felicidade que teve quando completou 30 anos. Estava no exílio uruguaio e Darcy Ribeiro organizou um jantar surpresa. Jango lhe deu um carro esportivo de presente. “Ele me disse: ‘Te prepara, Teca, porque nós vamos demorar muito para sair daqui e tu vais sair daqui avó’. E foi verdade. Ele nunca mais voltou ao Brasil e eu voltei avó.”

 

Fonte: JL/Folha

 

One Comment

  1. Muito triste essas histórias de políticos! Acho que naquela época havia muita inveja e perseguição com as pessoas boas, ricas e honestas…a justiça era completamente sega!

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