No dia em que o golpe que levou o ditador Augusto Pinochet ao poder no Chile completa 39 anos, ex-presos políticos realizaram um debate sobre as ditaduras militares do Cone Sul e lembraram a solidariedade com que foram acolhidos pelo governo de Salvador Allende entre 1970 e 1973 – período em que o país atraiu exilados políticos e militantes interessados em participar da experiência socialista levada em curso pela Unidade Popular. O ato ocorreu nesta terça-feira (11) e integra a programação da mostra de cinema “Memória e Resistência na América Latina”, promovida pelo Sindibancários em parceria com o Sul21 e o Comitê Carlos de Ré da Memória, Verdade e Justiça.
Militantes recordaram exílio no Chile e solidariedade do povo. | Foto: Tiago Prosperi / Sul21
Após assistirem aos filmes “Nunca fomos tão felizes” e “Crônica de uma fuga”, o público pôde ouvir os relatos de ex-presos e militantes políticos que atuaram contra as ditaduras militares que tomaram conta da América do Sul entre as décadas de 1960 e 1980. Participaram do evento o ex-militante da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), Ubiratan de Souza, o ex-fundador do Partido Operário Comunista, Flavio Koutzii, o cantor e compositor Raul Ellwanger e o ex-militante do Movimiento de Izquierda Revolucionária (MIR), o chileno Carlos Zanzi Gonzáles.
Apesar de a discussão ter como tema os regimes militares do Cone Sul de uma maneira geral, a conversa acabou se focando mais no Chile, em função da data e da presença de Zanzi Gonzáles. Ele falou sobre o ambiente de liberdade política e social no qual o país se encontrava antes do golpe.
“Os estrangeiros chegavam ao Chile para apoiar o governo Allende ou porque, em seus países, era proibido fazer política, como no caso do Brasil. O Chile foi o lugar onde era possível discutir e planejar a grande pátria latino-americana”, recordou.
Gonzáles acredita que o 11 de setembro não deve ser lembrado como uma data “somente de dor e sofrimento”, mas como “uma convocação ao otimismo e à construção de um novo país”.
Ele citou as atuais manifestação de estudantes secundaristas chilenos, que tomam as ruas para exigir uma educação 100% pública, seguindo o rastilho deixado pelos universitários, que fizeram o mesmo no ano passado. “São os jovens que irão construir o futuro do país e eles estão dizendo que o modelo neoliberal não os representa. Querem mudar um país onde, para se ter uma boa educação, é preciso ter dinheiro”, exaltou.
“Temos uma dívida de gratidão com o Chile”, diz Ubiratan
Ubiratan de Souza chegou a se encontrar com o ex-presidente Salvador Allende em Valparaíso. | Eduardo Seidl/Palácio Piratini
Ex-militante da VPR, Ubiratan de Souza desembarcou no Chile no dia 13 de janeiro de 1971. Ele foi um dos 70 presos políticos brasileiros que foram trocados pela liberdade do Embaixador da Suíça sequestrado pelos guerrilheiros.
Logo ao chegar no país governado por Salvador Allende, ele sentiu a diferença. “Os militares brasileiros que nos escoltavam queriam que descêssemos do avião algemados, temiam que atacássemos eles. O representante do Ministério das Relações Exteriores do Chile não permitiu e tiveram que nos soltar. Esse foi o primeiro impacto que senti: saía de uma ditadura e chegava em um país livre”, recordou.
O ex-guerrilheiro, que chegou a ser recebido pelo prórprio Allende na cidade de Valparaíso, disse que ele e outros exilados brasileiros estavam atentos às crescentes tensões políticas e sociais no país e advertiam a população sobre a possibilidade de um golpe de Estado. “Éramos gatos escaldados, não tínhamos a ilusão de que deixariam florescer um projeto socialista”, contou.
Ubiratan lembrou que, nos primeiros dias após o golpe, o Exército “procurava por estrangeiros como a Alemanha nazista procurava os judeus” e que o apoio da população chilena foi fundamental para a sobrevivência dos exilados. “A solidariedade desse povo é impagável. Temos uma dívida de gratidão com o Chile”, considerou.
O cantor e compositor gaúcho Raul Ellwanger também viveu no Chile durante o governo de Salvador Allende. Ex-militante da Vanguarda Armada Revolucionária (VAR-Palmares), ele recorda que foi “um privilégio” poder chegar ao país sob o comando da Unidade Popular justamente no período em que a ditadura brasileira foi mais dura.
“Tivemos o privilégio de sair de um país totalmente brutalizado e sermos bem acolhidos. No Brasil, o terrorismo psicológico causado pelos desaparecimentos apavorou uma geração inteira”, lamentou.
Ellwanger entende que, apesar de as ditaduras militares já terem acabado, a democracia ainda precisa ser fotalecida. “Nem tudo está terminado. Paraguai e Honduras nos mostram que a democracia é algo muito frágil”, avaliou.
Público pôde participar do debate no primeiro dia da mostra “Memória e Resistência na América Latina”. | Foto: Tiago Prosperi / Sul21
A última fala do encontro foi a de Flavio Koutzi. Apesar de ter militado na Argentina – onde ficou preso durante quatro anos – ele preferiu não comentar muito essa experiência, por considerar que o painel estava focado no golpe chileno. Koutzii lembrou que o Chile do início dos anos 1970 vivia um contexto de crescimento das forças sociais de esquerda.
“Havia um grande partido socialista e um grande partido comunista. E tinha também a emergência de uma nova força mais à esquerda, o MIR. A repressão só foi gigantesca porque foi gigantesca a capacidade de luta da sociedade chilena”, recordou.
Militante histórico e fundador do PT, Koutzii disse que o Brasil está “chegando atrasadíssimo às comissões da verdade”, mas availou que elas representam passos importantes na consolidação da democracia no país, “por tudo o que não se conseguiu fazer, mesmo com governos democráticos de caráter nacional”, avaliou.
Fonte – Sul 21