“É impossível começar minha fala sem lembrar-me de Salvador Allende”, disse o sociólogo Kennedy Ferreira, seguido por uma salva de palmas, durante a mesa “O comunismo na América Latina”, do Simpósio Internacional A esquerda na América Latina. A importância da realização do debate foi um ponto levantado por todos os participantes, que, citando o subtítulo do próprio simpósio, ressaltaram a necessidade de se discutir “história, presente e perspectivas” da esquerda para que o movimento comunista seja foco de estudo e, consequentemente, torne-se melhor no futuro.
Antônio Mazzeo, professor de Ciências Sociais da Universidade Estadual Paulista (Unesp), destrinchou as origens do comunismo na América Latina, destacando a presença de análises muitas vezes antagônicas acerca da revolução socialista. Um exemplo disso foi a polêmica em torno da teoria – defendida, principalmente pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB) – de que a existência no Brasil de relações feudais tornariam necessária uma revolução burguesa que transformasse o país em capitalista – para em seguida ocorrer uma revolução socialista.
O historiador, geógrafo e escritor Caio Prado Jr se contrapôs a essa tese. Segundo ele, Brasil poderia pular a etapa da revolução burguesa, uma vez que o país já havia nascido capitalista, por causa do caráter da colonização. Para Mazzeo, Caio Prado Jr. inovou ao introduzir o conceito da “particularidade” presente no sentido histórico da colonização. Citando Marx, o professor disse: “é na particularidade que se concretiza a universalidade”.
Em relação ao etapismo, Mazzeo fez a uma comparação entre o PCB em sua origem e o PT de hoje. “O PC pregava que era preciso uma revolução democrática burguesa e depois a socialista; já o PT hoje fala que é preciso uma revolução democrática burguesa e ponto final”.
Marcos Del Royo, doutor em Ciência Política, procurou explicar as origens dos PCs pela América Latina e a difusão do movimento comunista pelo continente. Demonstrou a importância da Revolução Russa de 1917 para a consolidação e disseminação do movimento e afirmou que com isso “o planeta ficou balançado por imensas revoltas operárias populares”. Ele salientou que, após a 2ª Guerra Mundial, os únicos grandes PCs eram o do Chile e o do Brasil.
O foco do historiador Victor Vigneron foi o caso peruano. Ele discorreu sobre os acertos e erros de se tomar a figura de José Carlos Mariátegui como polo principal do movimento comunista no Peru. O pensador, segundo ele, foi de suma importância na implementação do PC no país, além de ser autor de sete ensaios sobre a realidade peruana, essenciais para se entender o país andino ontem e hoje. Em um dos ensaios, cujo tema é centrado na religião, Mariátegui discute a necessidade de se lidar com a religiosidade popular e reivindica uma religiosidade revolucionária.
O sociólogo Kennedy Ferreira destacou o papel da Revolução Russa como um horizonte das fundações dos PCs na América Latina. Segundo ele, hoje há uma total dispersão e fragmentação intelectual e prática do movimento comunista. Para Ferreira, este deve superar questões como: a arrogância – o movimento é incapaz de ouvir e escutar o outro –; a crença no determinismo histórico, segundo o qual o socialismo é uma etapa natural na história; a substituição do estudo da ação por práticas voluntárias; o “economicismo”; o pragmatismo; e o reformismo. “O movimento precisa ser reconstruído, fundamentalmente, nos bairros proletários e nas fábricas. Nós, que propusemos transformar o mundo através da liberdade, da supressão do capitalismo, seremos vítimas das nossas propostas”, declarou.
Fonte – Carta Maior