Ela deixou essa história contada num livro que é um dos mais importantes documentos sobre a dor e a saga das famílias dos presos políticos no país Maria Rosa Leite Monteiro, mãe de Honestino Guimarães, estudante da Universidade de Brasília desaparecido durante a ditadura militar, sofreu uma parada cardíaca e morreu na madrugada de ontem, aos 84 anos. Ela dedicou as últimas quatro décadas à luta por justiça la morreu sem ter respostas sobre o paradeiro do corpo do filho, Honestino Guimarães, líder estudantil desaparecido em 10 de outubro de 1973, ao 26 anos, no Rio de Janeiro. Preso durante a ditadura militar, o então estudante de geologia da Universidade de Brasília (UnB) defendia a democracia e a liberdade no país. Mesmo assim, Maria Rosa Leite Monteiro, nunca se deu por vencida na batalha por notícias. Ela buscou a verdade, mas nunca a encontrou. Mesmo assim, escreveu seu nome na história de resistência da capital da República e na luta pela Justiça.
A goiana, nascida na cidade de Itaberaí, partiu aos 84 anos de idade. Professora aposentada, era viúva e teve três filhos biológicos e uma adotiva, dos quais apenas um está vivo, Luís Carlos Guimarães, que mora nos Estados Unidos. No último fim de semana, ao tentar se levantar sozinha de um sofá no apartamento onde morava, em Águas Claras, sofreu uma queda. O acidente causou uma fratura no fêmur, o que a levou ao Hospital Alvorada, em Taguatinga. Embora submetida, com sucesso, a uma cirurgia, Maria Rosa entrou em um quadro delicado, com a pressão muito baixa, acabou tendo uma parada cardíaca — por volta das 2h30 de ontem — à qual não resistiu.
Emocionado, o neto Mateus Guimarães, 26 anos, descreveu a avó como um exemplo de vida, de humanidade. “Ela sempre buscou o bem, lutou pela memória de Honestino e pelo direito à Justiça”, pontuou. “Ficam várias lembranças boas. Ela não é um modelo de pessoa apenas para os familiares, mas para amigos e conhecidos. Então, permanece esse legado de busca pela verdade. Infelizmente, ela está indo sem saber o desfecho da história do filho”, ressente-se.
A saga do filho de Maria Rosa foi relatada por ela no livro Honestino, o bom da amizade é a não cobrança, lançado em 2004. Trata-se de um importante registro sobre os anos de chumbo, um dos primeiros documentos a revelar a dor do desaparecimento de presos políticos sob a ótica familiar. Recentemente, Rosa enfrentava problemas de saúde relacionados à perda de memória. O corpo dela será velado hoje, a partir de 9h, na capela 6 do Cemitério Campo da Esperança, na Asa Sul. O enterro ocorrerá às 17h.
Dona Maria Rosa era espírita. O neto conta que, após tantos anos de busca, o coração da mulher só se tranquilizou depois de um encontro espiritual com o filho. Parte dessa história será relatada em um capítulo do livro Paixão de Honestino, biografia encampada pela professora aposentada Maria Elisabete Barbosa de Almeida, amiga da família. O projeto caminha há cinco anos.
Segundo Elisabete, em 2007, foram iniciadas as conversas sobre a produção da obra, mas, a todo tempo, a mãe do líder estudantil evitava falar sobre o assunto. “Ela nunca quis conversar sobre ele. Falava de outras coisas da vida dela, do que passou. O assunto do desaparecimento era muito doloroso”, esclarece. “Depois de compreender que não poderia conseguir respostas, deixou de falar sobre Honestino. Mesmo assim, ele estava presente no ambiente familiar. A casa era cheia de fotografias dele e da neta (filha dele)”, acrescentou.
A autora do livro também buscou respostas sobre processo da prisão e da morte de Honestino. Em 2010, recorreu à Ordem dos Advogados do Brasil, solicitando cópia dos documentos, no entanto, nada foi encontrado. “Pelo que sei, em 1992, as investigações pararam em Brasília”, frisou Maria Elisabete. Em 2000, a Justiça reconheceu oficialmente a culpa dos governos militares e, por decisão do então juiz da 1ªVara da Justiça Federal no Rio, Mauro Souza Marques da Costa Braga, determinou à União o pagamento de indenização à família do estudante. À época, em entrevista ao Correio, Maria Rosa classificou como irreparáveis os danos causados pela ditadura. E, embora tenha dito que o dinheiro ajudaria a neta, destacou que nada mudaria para ela. “A minha perda foi afetiva e política. Não há valor que pague e jamais aceitaria esse tipo de recompensa”” , disse na ocasião.
Amizade
A jornalista Kátia Aguiar conheceu os filhos de Maria Rosa em meio aos embates estudantis e, assim, acabou se aproximando dela, tornando-se, mais tarde, amiga da família. “Ela finalmente vai encontrar o filho, por quem ela lutou para encontrar com vida, desde que ele foi preso. Com certeza, o céu está em festa porque ali vai chegar mais uma guerreira do bem, da paz, do amor, da ética, da esperança, da dignidade e da liberdade”, exclamou. “A ditadura, que matou e separou muitas pessoas, uniu, de uma certa maneira, outras por laços indissolúveis”, arrematou.
Para o senador Cristovam Buarque, o Brasil perdeu uma mulher símbolo da luta por uma sociedade mais justa. “É uma grande lástima. Ela não era apenas um exemplo, mas o retrato de outras tantas mães que sofreram o mesmo. E ela nos deixa num momento em que a Comissão da Verdade trabalha”, avaliou.
Memória
Histórias nas páginas do jornal
Ao longo das últimas décadas, o Correio acompanhou o drama da família de Honestino Guimarães e as reviravoltas do caso envolvendo a prisão e a morte do líder estudantil. As publicações, eternizadas nas páginas do jornal, retratam episódios históricos, como as revelações de dossiê da 2ª Seção do Comando Militar do Planalto. No documento, que foi analisado pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados em 2010, o filho de Maria Rosa foi descrito como uma ameaça ao regime. Outra reportagem relatou a decisão da Justiça que determinou o pagamento de uma indenização à família. O trabalho da Comissão da Verdade na UnB — que pretende resgatar e esclarecer episódios ocorridos durante a ditadura militar contra alunos e professores — também ganhou as páginas do jornal recentemente. A última reportagem sobre o militante foi publicada pela editoria de Cidades no fim de julho.
Fonte – clippingmp