A importância da Comissão da Verdade no Rio

A comissão tem muito trabalho: a apuração da Operação Condor, as mortes de Jango e JK, entre outros

O impasse que ronda a instalação da Comissão Estadual da Verdade no Rio de Janeiro parece finalmente se encaminhar para uma solução, abrindo caminho para que, a exemplo de outros estados da nação, o Rio possa oferecer sua contribuição à instância nacional e investigar crimes cometidos durante a ditadura militar. Nesta semana, o governador Sérgio Cabral se comprometeu a enviar para votação da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) pedido para constituição imediata da comissão local.

A ausência de um braço da comissão no Rio estava sendo sentida principalmente pelo fato de o estado ter sido um dos maiores centros de repressão política à época, para onde foram, inclusive, levados e torturados presos políticos de outros lugares do Brasil. Segundo declarações do presidente da OAB-RJ, Wadih Damous, o Rio concentrou o maior número das chamadas “casas da morte”, como ficaram conhecidos os imóveis destinados à prática de tortura no estado.

Instaladas em áreas residenciais, as “casas da morte” passavam despercebidas, sem que se levantassem suspeitas sobre as atrocidades que se cometiam em seu interior. Ainda hoje há informações desencontradas e insuficientes sobre esses verdadeiros centros de tortura, e trazer à tona os esclarecimentos é uma das tarefas obrigatórias da comissão carioca.

As comissões estaduais são fundamentais para conferir agilidade à comissão nacional, cujo mandato de apenas dois anos é exíguo para apurar centenas de denúncias e descortinar a verdade histórica, por tanto tempo omitida do povo brasileiro. Os comitês locais, além de fazerem uma espécie de triagem, podem tomar depoimentos e reunir documentos para entregar à comissão nacional. Suas ações terão prazo maior e poderão, assim, manter vivos os resultados de todo o trabalho que for feito.

Em São Paulo, por exemplo, a Comissão Estadual Rubens Paiva tem realizado um trabalho de colaboração e parceria com a comissão nacional. A comissão do estado onde se concentrou o comando da repressão está investigando crimes brutais de que foram vítimas 140 pessoas no auge do regime de exceção. Também auxiliará nos levantamentos dos mortos sepultados clandestinamente nas valas comuns de cemitérios de bairros da capital paulista, como o de Perus.

As duas comissões também trabalharam em conjunto para solicitar a retificação do atestado de óbito do jornalista Vladmir Herzog, cuja versão de suicídio, apresentada por autoridades na época, será substituída, constando que sua morte “decorreu de lesões e maus-tratos sofridos em dependência do II Exército em São Paulo (no antigo DOI-Codi)”. Essa é das conquistas mais emblemáticas alcançadas até agora, por demonstrar de forma concreta o resgate da verdade para a sociedade.

A comissão tem muito trabalho pela frente: a apuração de detalhes da Operação Condor, as mortes de Jango e JK, a revelação dos desaparecidos da Guerrilha do Araguaia, a investigação de empresários e empresas que financiaram a Operação Bandeirante (Oban) — um dos mais violentos organismos de repressão, que coordenava prisões e crimes de tortura —, entre outros. Portanto, é muito valiosa a integração do Rio de Janeiro a este projeto, que nos traz a oportunidade singular de saldar uma antiga dívida com a democracia, com a sociedade e, especialmente, com as famílias das vítimas da ditadura militar.

 

Fonte – Jornal do Brasil

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