A Cassação de Mestrinho

Plínio Ramos Coelho elegeu-se governador em 1954, ao derrotar o candidato das oligarquias locais, que há décadas dominavam o poder no Estado. Aos 34 anos, promove um governo inovador e inaugura no Amazonas o trabalhismo na administração pública, com reformas estruturais e o saneamento das finanças do Estado, fato que lhe permitiria eleger o sucessor.

Contra as expectativas de muitos trabalhistas, que preferiam o nome de Edson Stanislau Affonso, então presidente da Assembleia, Gilberto Mestrinho de Medeiros Raposo é escolhido candidato do PTB, em decisão inapelável, imposta pelo governador Plínio Coelho. Mestrinho, que vinha de uma administração exitosa na Prefeitura de Manaus, para a qual também fora indicado por Plínio, elege-se em 1958, com apenas 30 anos.

Faz um governo bem avaliado, com a implantação de projetos desenvolvimentistas, impregnados de otimismo, na mesma linha do presidente Juscelino Kubitschek. De igual modo, com ações governamentais de largo apelo popular, consolida sua liderança e torna-se referência política na região. Ao concluir o mandato, em 1963, chega a ter seu nome cogitado para disputar o governo do Pará, ao mesmo tempo em que os demais estados do Norte querem tê-lo como seu representante na Câmara Federal. Não tinha alternativa, a não ser a Câmara dos Deputados, porquanto não preenchia o requisito da idade mínima de 35 anos para concorrer ao Senado.

Assim, no pleito de 1962, elege-se deputado federal por Roraima, ainda no exercício do cargo de governador do Amazonas, o que na época era legalmente possível. Já no desempenho das novas funções é que é cassado pelo Golpe de Abril, na primeira lista de vítimas do arbítrio.

Com a ditadura de 1964 no Brasil, tivemos grandes e irreparáveis perdas, todos nós, o Estado e a Nação. Algumas gerações, precocemente castradas, viram seus sonhos esvaírem-se, enquanto outros, em situações dramáticas e terríveis, perderam a vida nos porões da repressão e da tortura levadas às últimas conseqüências.

No Amazonas, a história registra o assassinato de Antogildo Pascoal Viana, líder sindical, ‘suicidado’ pela quartelada num hospital do Rio de Janeiro, e de Thomaz Meirelles, ainda hoje presente no rol dos desaparecidos da ditadura militar.

O caso de Thomazinho, como o tratávamos seus amigos, é o mais emblemático. Parintinense de boa cepa, inteligência fulgurante do movimento estudantil nos anos 50/60, cedo percebeu os limites de sua atuação no distante Amazonas e deslocou-se para o Rio de Janeiro. Atuou na UNE/UBES e em seguida foi para a União Soviética, onde estudou na Universidade Patrice Lumumba. Mais tarde, foi um dos poucos brasileiros a ascender à Universidade de Moscou, tributo a seu reconhecido talento. Voltou ao Brasil, para morrer. Ainda escreverei, ao longo desta série, artigo especial sobre Thomaz Antônio da Silva Meirelles Netto e o martírio de sua família.

Mas, no plano político regular e institucional, quem suporta grandes perdas é Mestrinho. Ainda moço, em franco processo de consolidação de uma liderança que tendia a se transformar em hegemônica no Norte do País, é atingido pela fúria do golpe e vê uma carreira promissora ser abruptamente interrompida. Costurava alianças com nomes expressivos e tradicionais na política paraense, a partir de Belém, onde estabeleceu interesses empresariais de sucesso. Em Brasília, como deputado federal, aglutinava as bancadas estaduais da região, com base em projetos e iniciativas que contemplavam todos Estados locais. O discurso do Norte ganhou então expressão e passou a sensibilizar o poder central, pressionado a atender as grandes demandas regionais. Nesse sentido, o trabalho de Mes trinho tinha o aval do PTB, partido do presidente João Goulart, que via com bons olhos o surgimento de nova força política na Amazônia, em substituição ao conservadorismo de direita, representado pela União Democrática Nacional, pelo Partido Social Democrático e legendas auxiliares e periféricas desses partidos.

Mestrinho tinha a têmpera e a idiossincrasia do oriental, paciente e reservado na formulação de projetos que cultivava de forma solitária, muito antes de compartilhá-los com assessores ou amigos mais próximos. E foi assim que alimentou a possibilidade de assumir a liderança da Amazônia, com a qual se projetaria no concerto da Nação, com vistas a um salto maior no quadro político nacional.

Amazonino Mendes, 23 anos depois, perseguiria o mesmo objetivo, com a criação do Fórum de Governadores da Amazônia e do Instituto Superior de Estudos da Amazônia, também sem êxito, diante da falta de visão e sensibilidade dos demais governadores regionais. Ninguém consegue entender que nenhum Estado do Norte tem peso político na balança de poder no Brasil, agindo isoladamente e em confronto com a representação do Centro-Sul.

Mestrinho perdeu tudo, o mandato, os negócios. Logo após a cassação teve que sair de Brasília para São Paulo usando identidade simulada, em busca de proteção do general Amaury Kruel, comandante do II Exército e seu amigo. No Amazonas, sumiu de cena por longo período, durante o qual a imprensa simplesmente emudeceu a seu respeito. De repente parecia acometido de doença contagiosa e muitos daqueles que antes o cortejavam sumiram, até a anistia e seu retorno em 1982, quando foi eleito novamente governador.

Com Golpe de Abril, a liderança amazônica, talvez uma de suas maiores aspirações, foi por água abaixo, literalmente.

 

Fonte – D24am

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