Análise: Comissão da Verdade terá de agir com grande habilidade política

 

Na historiografia do regime militar brasileiro, há exemplos dispersos de apoio ao regime, ou recusa de condenar ou trabalhar contra a repressão, por parte de setores e membros individuais de organizações religiosas. Um grupo de trabalho da Comissão Nacional da Verdade começou a tratar dos dois lados da questões na semana passada.

No entanto, não existe uma obra que sintetize essa colaboração, em larga medida porque a principal mudança no comportamento das igrejas foi uma postura de visível oposição ao regime, ocasionalmente heroica.

Muitos mais raros são exemplos de membros do clero ou pastores que tenham agido como virtuais agentes da ditadura militar.

Em contraste com a Igreja Católica argentina, que apoiou as políticas repressivas adotadas naquele país, nenhuma entidade religiosa brasileira acatou os abusos. Assim, no caso do Brasil, os religiosos que colaboraram com a ditadura o fizeram em nível individual.

Um exemplo notório foi dom Geraldo de Proença e Sigaud, arcebispo de Diamantina. Ele instigou a polícia a reprimir as atividades de padres e seminaristas nos dias que se seguiram ao golpe. Suspeito de subversão, o padre José Dumont passou 40 dias detido no palácio do arcebispo, proibido de se comunicar com o mundo externo.

No entanto, à medida que a ditadura militar se endurecia e prolongava, a oposição cresceu e figuras como dom Sigaud ficaram cada vez mais marginalizadas.

As principais igrejas protestantes tradicionais também denunciaram os abusos contra os direitos humanos, mas pouco se sabe sobre as atividades das neopentecostais emergentes, entre as quais a Igreja Universal do Reino de Deus. É importante determinar as conexões financeiras dessas igrejas com o setor público –por exemplo, a concessão de assistência à Assembleia de Deus pelo Ministério da Educação na gestão de Jarbas Passarinho–, embora não se saiba se essas informações revelarão muito sobre a repressão.

À medida que novos documentos policiais e militares se tornarem disponíveis, a Comissão Nacional da Verdade poderá encontrar agentes antes desconhecidos.

No entanto, o mais importante são os arquivos das organizações religiosas. Eles talvez contenham documentos pessoais que tratem da repressão e de tensões internas das organizações com relação ao regime.

As igrejas podem se recusar a permitir acesso a esses documentos privados. A comissão terá de proceder com grande habilidade política e competência historiográfica.

O historiador KENNETH SERBIN, da Universidade de San Diego (EUA), escreveu “Diálogos na Sombra: bispos e militares, tortura e justiça social na ditadura”, Companhia das Letras)

 

 

Fonte – Jornal Floripa

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