A inflação do período militar foi modesta, em torno de 20% ao mês. A dívida externa pulou de 3,9 bilhões de dólares, em 1968, para 12,5 bilhões em 1973. A turma dos camarotes rurais adorava, pois as exportações eram subsidiadas. Mário Henrique Simonsen, um dos intelectuais orgânicos do regime, soltou esta pérola aos porcos: “A partir de 1964, logramos alcançar razoável estabilidade política”. Uau! Tem cada charlatão neste mundo de Deus. Maria Helena Moreira Alves resume: “A política governamental elevou acentuadamente a participação dos membros mais ricos da população na renda global diminuindo a dos 80% mais pobres”. Sem dúvida, um mecanismo eficiente de redistribuição de renda. Para cima. Os números dão uma surra de realidade. Que sucesso. Em 1970, 50,2% dos brasileiros ganhavam menos de um salário mínimo. Em 1972, já eram 52,5%. Que milagre! Apenas 78,8% dos trabalhadores ganhavam até dois salários mínimos. Uma proporção, com certeza, pequena. Um decreto de 1938 estabeleceu o que o salário mínimo devia comprar.
Nossa bela ditadura alterou esses dados. Passamos de 12 para 14 horas de trabalho diário para poder comer. Em 1959, um trabalhador precisava de 65 horas e cinco minutos de trabalho para comprar a cesta básica fixada pelo decreto de 1938. Em 1963, eram 88 horas. Em 1974, 163 horas e 32 minutos. Nenhuma democracia faria melhor. Saltamos para 25 milhões de crianças passando fome. Uma pesquisa revelou que 60% das crianças entrevistadas trabalhava mais de 40 horas por semana. Chamava-se isso de educação pelo trabalho: 18,5% da população entre 10 e 14 anos de idade trabalhava. O efeito pedagógico foi espetacular: 63% das crianças entre 5 e 9 anos de idade, em 1976, fora das escolas. Nunca mais se foi tão longe. Era difícil um país nos bater em analfabetismo ou semianalfabetismo. Tudo isso pela segurança nacional.
A ditadura também mudou a composição dos orçamentos. Uma extraordinária revolução. O da Saúde passou de 4,29% do total, em 1966, para 0,99% em 1974. O da Educação despencou de 11,07% para 4,95% no mesmo período. Em compensação, os três ministérios militares, muito mais úteis à nação, abocanhavam 17,96% dos recursos. Fixamos pena de morte, prisão perpétua, banimento, fechamos o Congresso, controlamos os meios de comunicação, prendemos e arrebentamos, montamos, segundo o general Viana Moog, “a maior mobilização de tropas do Exército”, 20 mil homens para caçar 69 guerrilheiros do PCdoB no Araguaia. Entre 1977 e 1981, foram mortos apenas 45 líderes sindicais rurais. Tivemos míseros 12 mil presos políticos entre 1969 e 1974. Uma ditadura realmente admirável. Tão admirável que conseguiu se autoanistiar. Nenhum torturador foi julgado ou punido. Que êxito!