Comissão da Verdade terá acesso a papéis de chefe de órgão da ditadura

Documentos de um coronel reformado do Exército que foi morto neste mês em Porto Alegre serão usados pela Comissão da Verdade na investigação de casos simbólicos da ditadura militar: a morte sob tortura do deputado cassado Rubens Paiva (1929-1971) e o atentado no Riocentro, em 1981.

Os papéis foram entregues pela família do coronel Júlio Miguel Molinas Dias, 78, morto a tiros por desconhecidos quando chegava em sua casa no último dia 1º, à Polícia Civil gaúcha. A polícia ainda não sabe os motivos e os autores da morte do coronel.

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Dias comandava o DOI-Codi –um dos principais centros da repressão militar à esquerda armada– do Rio na época do caso Riocentro.

Os documentos ainda não foram tornados públicos. A Folha apurou que os papéis incluem um termo do Exército que confirma a apreensão de objetos pessoais de Rubens Paiva no DOI-Codi.

Também trazem um relato manuscrito do coronel sobre o Riocentro e duas guias de entrada e saída de material explosivo do Exército na época do atentado.

Uma bomba explodiu acidentalmente dentro de um carro ocupado por dois militares, no momento em que ocorria um show de música em homenagem ao Dia dos Trabalhadores.
As investigações indicaram que um grupo de militares da extrema-direita planejava um atentado durante o evento.

O promotor de Justiça Militar do Rio Otávio Bravo, que investiga desde o ano passado 39 desaparecimentos de presos políticos, incluindo Rubens Paiva, disse que o documento com o termo de apreensão de objetos pessoais poderá confirmar que o ex-deputado de fato morreu nas mãos do Estado.

E também apontar agentes da repressão que manteve contato com ele em vida.

“Temos demonstrações de que ele [Paiva] esteve no DOI-Codi, mas por prova testemunhal, não por documento oficial”, disse o promotor.

Uma das filhas de Rubens Paiva, Vera, disse que a informação “é extremamente importante”. “A gente começa a ter uma pista a mais do que tínhamos até hoje.”

O presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos do Rio Grande do Sul, Jair Krischke, reforçou que os papéis podem reafirmar por meio documental que Paiva morreu nas mãos do Estado.

A versão que o Exército apresenta desde o desaparecimento é a de que o ex-deputado foi resgatado quando era levado para reconhecer um local no subúrbio do Rio.

Em janeiro de 1971, Paiva trabalhava como engenheiro no Rio quando foi procurado em sua casa por agentes que se diziam da Aeronáutica e levado até o prédio do DOI-Codi, na Tijuca. Nunca mais foi visto pela família.

Os papéis do coronel foram entregues pela família ao delegado Luis Fernando Martins Oliveira. Ele afirmou que está examinando os documentos, que têm cerca de cem páginas, e disse que os colocará à disposição da Justiça.

Após a entrega das informações, equipes do Exército foram à casa da família Dias no dia 8 e, segundo versão dita à época, levaram armas de uma coleção do coronel. O Exército não se manifestou ontem, feriado militar.

A Comissão da Verdade informou que pediu ao governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro (PT) acesso aos documentos.

Na semana passada, dois representantes foram a Porto Alegre, onde tiveram contato parcial com os papéis.

 

Fonte – Folha de S.Paulo

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