Presidente da Comissão pela Vida da Regional Sul 1 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), ele disse ao jornal Estado de S. Paulo que a recém-empossada ministra da Secretaria de Política para as Mulheres, Eleonora Menicucci, “é uma pessoa infeliz, mal-amada e irresponsável”.
Isso! Não critique o discurso ou o argumento do seu adversário. Desqualifique-o! Aliás, considerando a profundidade das declarações do religioso, acho que ele poderia ter ido além. Por exemplo, dito que Eleonora tem cara de mingau, chulé no pé e não sabe fazer bola com chiclete!
“Ela é infeliz, mas ninguém precisa ficar sabendo. Seu discurso mostra que ela pode estar reabrindo feridas que estavam cicatrizando”, claramente se referindo ao quiprocó causado pelos setores conservadores – entre eles a Igreja – após o lançamento do 3o Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH3) em 2010.
Para cicatrizar uma ferida, primeira é preciso abri-la, retirar toda a sujeira que se acumulou ao longo do tempo e lavá-la bem. Daí usar os medicamentos apropriados para que não ocorra nenhuma infecção, ou seja, que o problema se espalhe. Aí sim, é hora de fechá-la. O que o bispo pede é diferente. Ele quer que ninguém mexa na ferida, que há séculos produz um pus fétido na sociedade, que é a forma como tratamos as mulheres e o direito ao seu próprio corpo. E como o Estado se omite em debater temas importantes, deixando para outras instituições essa responsabilidade.
Mas, afinal de contas, o bispo tem razão. Que história é essa de pensar que o Brasil é laico e democrático? O Brasil pertence aos pastores de Deus, aos homens de bem e aos héteros. Ah, e aos empresários de sucesso, é claro.
Recordar é viver: após o lançamento do PNDH3, críticas colocaram lado a lado setores da igreja, dos militares e do agronegócio, que possuem em suas fileiras alguns dos maiores bastiões do conservadorismo e do atraso. É realmente o país da piada pronta, como diz outro José Simão, esse muito mais engraçado. Os discursos que emergem lembram muito aqueles microcosmos de poder do Brasil profundo, presentes nas obras de Dias Gomes: o padre, o delegado e o coronel, tomando uma cachacinha na (ainda) Casa-grande e discutindo os desígnios do mundo. Ou pelo menos do vilarejo.
Com tanta atitude arbitrária e antidemocrática do governo federal para ser criticada, a igreja vai cutucar logo a defesa dos direitos humamos, que serve para trazer um alento de civilização em nosso país de mentalidade tão tacanha. Traduzindo as reclamações da igreja: “Vemos essas iniciativas como uma forma do Estado ter independência e não seguir as regras que ajudamos a construir ao longo de centenas de anos”.
José também tratou das declarações de Eleonora sobre a orientação sexual de sua filha, afirmando que ela “deveria tomar mais cuidado para não dar mau exemplo para nossos adolescentes”.
Eleonora, ao deixar claro que tem orgulho de uma filha lésbica, faz um serviço à sociedade, ao mostrar que isso não deveria assustar ninguém. O bispo que deveria tomar cuidado para não dar mau exemplo aos nossos adolescentes com declarações que podem promover a homofobia e a intolerância.
Apesar de eu não concordar com várias posições da igreja, acredito que José não fala pelo conjunto dela. A Igreja Católica não é José Benedito Simão, nem Joseph Ratzinger. É muito mais do que isso. É também a Comissão Pastoral da Terra, por exemplo. É Pedro Casaldáliga, Henri des Roziers, Tomás Balduíno, Xavier Plassat. Há muita gente lá dentro que defende, de verdade, uma vida de dignidade e liberdade.
Mas é engraçado ver alguém numa posição como a dele que tem medo do debate público. Principalmente, quando este vai revelar o anacronismo de seu próprio discurso. Quiçá sua insignificância.