Comissão da Verdade ouve piloto da FAB preso, cassado e perseguido por ter dado fuga para Jango

Hernani Fittipaldi, 92 anos, prestou depoimento à CNV em Brasília; até hoje ele não foi promovido a brigadeiro

Hernani Fittipaldi durante o depoimento que prestou à CNV

 

 

A Comissão Nacional da Verdade ouviu hoje de manhã em Brasília o depoimento do coronel da reserva Hernani Fittipaldi, de 92 anos. Gaúcho de Uruguaiana, o aviador, fundador do Ministério da Aeronáutica em 1941, foi piloto dos presidentes Getúlio Vargas e João Goulart e foi preso no porão de um navio da Marinha, cassado e perseguido por ter levado Jango para o Uruguai, em 1º de abril de 1964.

Fittipaldi contou à CNV que atendeu um chamado de Jango na madrugada. “Não podia negar um pedido do presidente”, afirmou. Ele era o piloto da FAB que levava o presidente em suas viagens oficiais. Goulart teria pedido o auxílio do amigo por achar que corria risco de vida em razão do golpe.

Ao voltar para casa, em Brasília, Fittipaldi teve o avião cercado por centenas de militares, que o prenderam imediatamente e instauraram um IPM contra ele. A acusação é a de que ele seria comunista, mas o aviador não tinha atividade política, era apenas um militar de carreira e um dos fundadores do Ministério da Aeronáutica (antes de 1941, havia apenas a aviação militar, que pertencia ao Exército, e a aviação naval, ligada à Marinha).

Fittipaldi apenas não lutou na Segunda Guerra pois contraiu uma pneumonia. Por isso foi destacado para fazer patrulhas na costa brasileira, muito visada pela marinha de Hitler, que bombardeou navios mercantes, e tornou-se o recordista de patrulhas da FAB.

Após ser interrogado por dezenas de militares, Fittipaldi foi levado para o porão de um navio prisão, o Custódio de Mello, fundeado na Baía de Guanabara. Enquanto isso, sua família sofria com a incomunicabilidade. Dias depois, ainda sem uma confirmação oficial da FAB do paradeiro do pai, a Aeronáutica enfim telefonou para os Fittipaldi e os informou que deveriam desocupar o imóvel funcional em que viviam em dois dias.

No curso do inquérito e no processo que se seguiu, Fittipaldi foi cassado, colocado na reserva arbitrariamente, teve o brevê de piloto confiscado e o soldo cortado. “Apesar de ser da mesma turma de Rui Moreira Lima (outro aviador perseguido pela ditadura), até hoje não tenho a patente de brigadeiro”, contou.

Na prisão, o coronel afirma não ter sido torturado, mas sabe que outros colegas no navio prisão passaram por sevícias. Somente meses após a prisão, já no fim de 1964, a família (que foi morar num apartamento cedido por um deputado federal), foi informada oficialmente da prisão do coronel e levada até o Rio para visitar o aviador. “O tempo passava, nossa mãe chorava muito e a Aeronáutica não dava satisfação”, conta Lúcia Fittipaldi, a filha mais velha do aviador, que tinha 16 anos em 1964.

“Ele estava barbudo e irreconhecível. Só o deixaram tomar sol na parte final de sua prisão”, conta o filho, Sérgio Fittipaldi, de 62 anos. Lúcia conta que a família sobreviveu nos primeiros meses com a ajuda dos parentes no Rio Grande do Sul.

Segundo Lúcia e Sérgio, Fittipaldi recebeu inúmeros convites para atuar na aviação comercial e até na Força Aérea de outros países, mas ele não pôde assumir nenhum desses chamados em virtude da cassação de seu brevê. “O último voo de meu pai foi aquele em que levou Jango para o exílio”, afirma Sérgio. “Ele sofreu muito por não poder voar”, conta a filha.

Para sobreviver, segundo Sérgio, Fittipaldi contou com a ajuda de outros militares cassados, que se ajudavam. O aviador fez de tudo um pouco: administrou uma fazenda nos arredores de Brasília e depois abriu uma granja, que faliu. “Ele podia pegar um avião a hora que quisesse e de uma hora para outra tiraram tudo dele”, conta o neto, Eduardo.

 

Fonte – Assessoria de Comunicação – Comissão Nacional da Verdade

 

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