Cineasta pernambucano quer acessar documentos da Comissão da Verdade para desvendar aliança militar
O cineasta pernambucano Cleonildo Cruz apresentou nessa segunda-feira ao coordenador da Comissão Nacional da Verdade, Cláudio Fonteles, o projeto de seu novo documentário, Operação Condor verdade inconclusa, que pretende desvendar os bastidores da aliança político-militar entre os regimes militares de Brasil, Argentina, Chile, Bolívia, Paraguai e Uruguai com o objetivo de reprimir os opositores das ditaduras. Cruz espera conseguir acesso aos documentos que vêm sendo analisados pelo grupo de trabalho responsável pelo tema dentro da comissão.
Cleonildo Cruz (E) apresentou a Cláudio Fonteles, da Comissão da Verdade, projeto do documentário
De acordo com o cineasta, a documentação servirá de base para o roteiro e storyboard do longa- metragem. Segundo Cruz, Fonteles foi receptivo ao projeto. O material entregue pelo documentarista será apresentado oficialmente aos membros da comissão em 28 de janeiro, data da primeira reunião do ano. Esse é o primeiro longa-metragem do diretor, que assinou dois curtas e três médias. Ele explica que a ditadura militar é um tema que permeia seu trabalho.
“Minha formação é de cineasta e historiador. Já tinha a ideia de trabalhar esse assunto e aproveitei a instalação da comissão para tirar o projeto da gaveta.” Por meio da Lei Rouanet, foi autorizada a captação de R$ 348,5 mil para as filmagens. O cineasta acredita que o acesso aos documentos da comissão fará com que o filme apresente uma perspectiva inédita sobre o assunto. “O filme está na fase de pré-produção, que envolve pesquisa e levantamento de dados. Daí a importância do contato com a Comissão Nacional da Verdade para que possamos partir do que vem sendo descoberto.”
O cronograma de filmagem prevê três meses de pesquisa histórica com a comissão. Com filmagens programadas para abril, Cruz pretende percorrer os outros cinco países envolvidos na Operação Condor, entrevistando especialistas e familiares das vítimas. “Acredito que haverá uma receptividade por parte desses países, que vêm se debruçando sobre esse tema há algum tempo. O Brasil foi o último entre eles que estabeleceu a Comissão da Verdade.”
O governo reconhece o desaparecimento de 13 brasileiros em consequência da operação oficializada em 1975: sete na Argentina, cinco no Chile e um na Bolívia. Um dos objetivos do filme é investigar de que maneira essas pessoas desapareceram e onde estão os corpos. “Até hoje as famílias não puderam enterrar os desaparecidos. A dor é muito grande. A história não foi contada completa não só para os brasileiros, mas para todos os latino-americanos.”
Dúvidas
Entre o material reunido pela Comissão da Verdade sobre o assunto estão 205 documentos entregues pelo ativista Jair Krischke, presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos, que provam a participação ativa do Brasil na criação da rede de repressão entre os países do Cone Sul. Os arquivos revelam detalhes sobre a captura de estrangeiros no Brasil e trazem listas enviadas ao Exército brasileiro com nomes de argentinos, chilenos e uruguaios perseguidos em seus países de origem.
As mortes de Juscelino Kubitschek, João Goulart e Carlos Lacerda também serão abordadas no longa-metragem. “Até hoje pairam dúvidas em relação a essas mortes. Em depoimento ao Congresso Nacional, na comissão que investigou a morte de Jango, em 2001, Miguel Arraes disse que recebeu informações sobre um complô entre os países que faziam parte da Operação Condor para eliminar líderes de esquerda com potencial de comandar frentes contra o regime militar.”
Saiba mais
Resposta à oposição
Com o intuito de reprimir a oposição às ditaduras instauradas nos países sul-americanos, foi criada a Operação Condor, uma aliança político-militar entre os regimes ditatoriais do Brasil, Argentina, Chile, Bolívia, Paraguai e Uruguai, considerados países do Cone Sul. A Operação Condor foi instaurada no início dos anos 70, permanecendo até os anos 80, período de redemocratização política na América do Sul. Utilizaram o termo “condor” em homenagem ao pássaro da região das Cordilheiras dos Andes. Para os aliados da operação, era necessário lutar contra o “terrorismo internacional” que representavam guerrilheiros comunistas e opositores às ditaduras.