Vídeo: Documentos inéditos sobre envolvidos na Condor

O futebol nos tempos do Condor que é parte do título de “Memórias do Chumbo …”, aqui na ESPN Brasil, de 18 a 21 próximos, tem razões muito além do óbvio recorte temporal que o nome sugere. A série vai mostrar que os anos do condor estiveram presentes no futebol obedecendo a um receituário e ideário comum aos países que fizeram parte da sinistra multinacional do terror.


As mesmas práticas que foram adotadas pelos participantes em todos os setores das sociedades onde pousou se fizeram presentes no mais popular dos esportes. Umas das grandes convicções formadas ao fim de todo esse tempo em arquivos, entrevistas e leituras é a de como o aparelhamento e controle do futebol foi sistematizado e pensado ao longo das ditaduras militares do continente. Você vai ver isso na série “Memórias do Chumbo – O Futebol nos Tempos do Condor”.

Explicado didaticamente como se deu esse controle no capítulo que encerra, o quarto e último, sobre o Brasil. (Argentina, Chile e Uruguai antecedem). Se num primeiro momento o futebol não necessariamente esteve no campo de visão dos golpes militares (excetuando a Argentina, onde essa preocupação com o futebol se fez presente desde o primeiro comunicado), tão logo o poder se consolidava, os regimes enxergavam a necessidade de controle do futebol e o potencial de utilização. Documentos até aqui desconhecidos e entrevistas são definitivos para tal constatação.

O condor que está presente no título vem da infame operação que se inaugura oficialmente em novembro de 1975 e que vai pensar e executar conjuntamente a repressão no continente, dizimando milhares de vidas. Naquela que é considerada a mais articulada e ampla operação de terrorismo estatal da história, com coordenação, realização e abrangência multinacional. Veremos que a maior manifestação cultural do continente não poderia ficar de fora das garras dos órgãos de informação.

Mas a origem do Condor é bem anterior a data oficial de fundação. A Guerra Colonial da Argélia, nos anos 50, é o grande embrião de todo o genocídio. Um verdadeiro laboratório. Personagens dali e suas práticas, estiveram entre os mestres dos genocidas do nosso continente.
Foi na antiga colônia Argélia que a França desenvolveu metodologias de combate às guerras de guerrilha, sem escrúpulos para torturas, extermínio ou o desaparecimento para implementar o terror. Uma das estrelas desse esquadrão da morte francês foi o coronel Charles Lacheroy. O outro, Paul Aussaresses, que viria a ser general, acabou sendo íntimo do Brasil e seus mandatários alguns anos depois. Vivendo aqui com todas as benesses do status diplomático solicitado pela França e concedido de bom grado pelo Brasil, como vemos aqui em documentação inédita.

Se nos anos 60 o americano Dan Mitrione se movimentou com liberdade por aqui, ensinando práticas de tortura e formando gerações de homens da lei à margem dela, na década de 70 o papel de mestre do horror foi de Paul Aussaresses. O veterano da Argélia veio, apesar de todo o currículo de genocida no final dos anos 50, com status de “adido militar” da França no Brasil entre 1973 e 1975.

Sob esta fachada, instruiu e iniciou na tortura milhares de militares do continente, operando como instrutor do Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS), em Manaus. Por suas mãos homens como Sérgio Fleury se desenvolveram no genocídio e na tortura. Amigo íntimo e pessoal de João Baptista Figueiredo. Por ele torturou e assassinou uma mulher, suspeita de vir ao país espionar o amigo.

Foi pelos seus ensinamentos que uma máxima vigente até então nas fileiras do exército brasileiro foi pervertida, como ensina o gaúcho Jair Krischke, brasileiro maior, homem que deveria ter sua história contada nos bancos escolares e assim ainda será, por sua incansável luta pelos direitos humanos, responsável por salvar a vida de milhares de brasileiros nos anos de chumbo.

“Nossos militares não adotavam a tortura como ‘ferramenta de trabalho’, pois eram formados na velha escola militar de guerra convencional. Foram os militares franceses os criadores e difusores da prática da tortura em quartéis, quando elaboraram a tristemente famosa ‘Doutrina da Contra-Insurgência’, que acabaram por impor em toda nossa região”, conta Jair Krischke, presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos.

Antes da Operação Condor, homens como Aussaresses, se espalham em diversos países sob a fachada de adidos militares. Era a rede “Agremil” (de “agregados militares”, os adidos militares), embrião da Condor. O francês passou também pela famosa Escola das Américas, no Panamá, e pelo Fort Bragg, nos Estados Unidos, onde ensinou seus métodos na reorganização das forças especiais americanas, que hoje mostram suas lições em lugares como o Afeganistão e Iraque. Além do CIGS, na selva, Aussaresses deu aula na Escola Nacional de Informações (ESNI), em Brasília. Por suas mãos, em terras brasileiras, dezenas de militares de todo continente aprenderam seus ensinamentos, depois difundidos em seus países.

Suas lições e passagem sob a capa de adido militar no Brasil foram importante estágio para a fundação da Condor. Cujo receituário e terror estaria em todos os segmentos de nossa sociedade, como veremos. Os documentos anexos, obtidos junto ao Ministério das Relações Exteriores por esta reportagem, relatam a estadia de Aussauresses no Brasil e mostram a deferência com que foi tratado no Brasil. Aqui estão os diversos pedidos especiais do governo francês, cujo embaixador no Brasil, Michel Legendre, segundo entrevista do próprio Aussaresses, sabia exatamente o que fazia. Todas as facilidades possíveis. Que seguiram mesmo depois de sua saída. Até para sua filha, que seguiu por aqui estudando jornalismo na Universidade de Brasília (UNB). É possível até que ao lado de alguma vítima de seu pai.

Os documentos revelam muito mais. Curiosamente, como mostram os anexos aqui, em 26 de setembro de 1975, a embaixada francesa comunica que Aussaresses, homem-chave e mestre de tortura da Operação Condor, encerra sua missão no Brasil em novembro. O encontro de fundação oficial da multinacional do terror, a Operação Condor, é de 25 de novembro daquele ano. Poucos dias depois da saída do adido militar da França no Brasil. Saiu estrategicamente? Missão cumprida? Coincidência? Com a palavra, a França. Recentemente, com a chegada de François Hollande ao poder, o país instituiu uma data para homenagear os argelinos mortos pelo país. Mas ainda não formalizou o pedido de desculpas, necessário para passar a história a limpo. Os arquivos mostram que existe mais gente para quem pedir desculpas. Os arquivos franceses certamente possuem mais detalhes quanto a passagem de Aussaresses por aqui. E devem elucidar o que os documentos anexos agora nos mostram: a estratégica retirada do facínora, em missão oficial, com sua missão genocida concluída.
País único, presente nos corações e mentes de todo mundo que preza as luzes no lugar do obscurantismo, precisa abrir todos os arquivos relativos ao tema e ainda passar parte de sua história a limpo. E isso passa pelo pedido de desculpas pela cumplicidade no genocídio recente em nosso continente.

PS- Como dissemos aqui, muito do que foi garimpado nos arquivos durante a pesquisa para “Memórias do Chumbo – O Futebol nos Tempos do Condor” acabou não entrando na série, de 18 a 21, na ESPN Brasil. Por tempo, espaço ou por termos privilegiado na série alguns aspectos mais diretamente ligados ao futebol. Vamos abrindo arquivos por aqui nesses dias com o que não entrou.  

Reprodução/Lúcio de Castro

 

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