Os códigos secretos de Carlos Marighella

Após a morte do guerrilheiro, em 1969, Exército destacou equipe para tentar decifrar anotações encontradas com o ex-líder da Ação Libertadora Nacional

O militante político Carlos Marighella foi assassinado em 1969 em um suposto confronto com policiais do extinto Dops de São Paulo

Uma série de papéis apreendidos no carro onde o ex-líder da Ação Libertadora Nacional (ANL) Carlos Marighella foi assassinado, em 1969, revelam que o guerrilheiro só se comunicava por códigos e idiomas diferenciados. Os documentos fazem parte dos anexos de um Relatório Especial de Investigação (REI) produzido pelo Centro de Informações do Exército (CIE), 17 dias depois de sua morte. Os militares só conseguiram decifrar parte dos manuscritos, supostamente de Marighella, principalmente os mapas feitos em folhas de caderno.

O relatório, produzido em 21 de novembro de 1969, é assinado pelo general Milton Tavares de Souza, que à época chefiava a CIE. Além das oito páginas onde relata a morte de Marighella, ele anexou os papéis encontrados com o guerrilheiro. A maior parte é composta por manuscritos, muitas vezes utilizando os alfabetos russo e grego, ou em códigos numéricos. Além disso, há vários mapas, sendo que um deles mostra uma ligação de Brasília com cidades de Minas Gerais, como Unaí, Arinos e Paracatu, além de Ribeirão Preto (SP) e São Paulo.

“Parecem esboços de ligações dos centros ou cidades, interligadas por rodovias e onde, provavelmente, existem elementos da organização Marighella”, diz o documento, que foi distribuído para toda a comunidade de informações. A avaliação do CIE foi baseada nos desenhos do guerrilheiro. Outro mapa também localiza vários estados brasileiros. “Parecem os croquis dos principais centros onde a organização Marighella vem atuando”, descrevem os militares.

Na análise dos agentes do serviço de informações do Exército, a organização de Marighella provavelmente estava se expandindo para a Região Sul do país, e os mapas apreendidos confirmavam isso. “Há de se considerar inúmeros informes da presença de elementos subversivos no norte do Paraná (Lamarca teria sido visto em localidade daquele estado). O aparecimento de Apucarana (em um dos croquis) é um indício bem sintomático da existência de focos da organização Marighella nessa área, e provavelmente na cidade referenciada”, observaram os arapongas.

Cena do filme documentário Utopia e Barbárie, do diretor Silvio Tendler.

Códigos

Nem sempre, entretanto, era possível decifrar o que era o desenho. “Com relação às garatujas (letra feita ou inelegíveis) existentes nessas três folhas, não chegamos a nenhuma conclusão”, observaram os analistas, referindo-se a uma série de círculos desenhados em uma folha de caderno. “Há, porém, uma certa frequência de espirais concêntricas, que parecem simbolizar uma afirmação de envolvimento”, ressalta o documento. Em um dos papéis, os militares reconhecem que a escrita era do próprio Marighella.

“A folha 5 contém três pedaços de papel, com anotações de próprio punho de Carlos Marighella, que usou códigos pessoais, abreviaturas mnemônicas, alfabeto grego, alfabeto russo e código morse”, descreve o agente, ressaltando que conseguiu decifrar algumas das anotações. Normalmente, tratavam-se de nomes de ruas e horários. Os números, segundo os militares, simbolizavam integrantes da organização. Um dos papéis estão relacionados a uma sequência de 23 números com alguns nomes à frente.

“Chamou-nos atenção o nº 0818, cuja grafia do nome Marighella teve o cuidado de escrever em sua grafia pessoal, utilizando o alfabeto grego”, observam os analistas. “Julgamos ser alguém muito importante para despertar a preocupação de Marighella ao escrever seu nome, pois os demais nomes estão manuscritos normalmente”, ressaltam os agentes que analisaram o material apreendido durante a morte do líder da ALN. Os documentos fazem parte do acervo da Coordenação do Arquivo Nacional em Brasília.

No Relatório Especial de Informações, também continha o regimento interno do campo de treinamento do Exército Popular de Libertação e um organograma da Frente Armada de Libertação Nacional. Ainda foram anexadas duas relações de presos ligados a Carlos Marighella.

Automóvel VW Fusca, onde o militante político Carlos Marighella foi assassinado

 

Assassinado em São Paulo

Carlos Marighella morreu em 4 de novembro de 1969, em um suposto confronto com policiais do extinto Departamento de Ordem Política e Social (Dops) de São Paulo, como descrevem documentos oficiais da época. Porém, há contestações se ele havia reagido à ordem de prisão. O tiroteio ocorreu na Alameda Casa Branca, na capital paulista. Na mesma ocasião, foram baleados o delegado Rubens Tucunduva — que fazia parte da operação —, a agente Estela Morato e o dentista Friederich Rohmann. As duas últimas pessoas também morreram.

Marighella era baiano, nascido em Salvador, e ainda jovem largou a faculdade de engenharia para se filiar ao Partido Comunista Brasileiro (PCB). Logo depois, em 1932, foi preso. Escritor, o guerrilheiro escreveu um poema de críticas a Juracy Magalhães, que era o interventor em seu estado. Ele foi detido novamente quatro anos depois, já no primeiro governo de Getúlio Vargas. Libertado pouco depois, o ex-líder da Aliança Libertadora Nacional (ALN) viveu na clandestinidade e voltou para a prisão.

Libertado, ele se tornou deputado federal em 1946, mas o PCB foi impedido de exercer atividades no Brasil. Marighella viajou para vários países, incluindo China e Cuba e, em 1968, fundou a Ação Libertadora Nacional (ALN), um dos grupos responsáveis pelo sequestro do então embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Charles Elbrick. Durante muitos anos, Marighella foi uma das pessoas mais procuradas pelos órgãos de repressão do regime militar, sendo localizado em São Paulo, onde foi morto pelos policiais comandado pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury, considerado um dos mais rígidos da ditadura.

 

Fonte – Diário de Pernambuco

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