A Comissão da Verdade

A Comissão Nacional da Verdade terá muito trabalho se desejar efetivamente apurar o que aconteceu no Brasil no século que passou. Não existem apenas os casos notórios amplamente divulgados ou os sobre os quais se falou, mas não objeto de apurações aprofundadas. O caso do empresário Bóris Tabacof, de 84 anos, preso e torturado por motivos políticos em 1952, é apenas um em numerosos outros da época Vargas.

A prisão, como publicou nosso jornal, em 12 de janeiro último, se deu em 20 de outubro, sendo Tabacof submetido a interrogatórios. Ficou 400 dias no Forte do Barbalho, em Salvador, quando se procurou extrair-lhe informações sobre a ação de comunistas na Bahia. E ele podia contar muito, pois foi secretário na organização do PC, o segundo cargo mais importante.

Disse o prisioneiro: “Me obrigaram a tirar a roupa e a ficar nu durante vários dias. A única coisa que tinha nesse cubículo era um balde para as necessidades, e este balde não era retirado. Dormia no chão e, de vez enquanto, chegava um soldado e jogava água”. Em 1954, foi solto depois de assinar uma confissão.

O objetivo da comissão é apurar fatos entre 1946 a 1988. Logo, há muito ainda a esclarecer, embora não se pretenda incluir o período mais duro de Vargas. Não se falará na prisão de Harry Berger, em cuja casa se encontrou todo o arquivo do PC, causando loucura do prisioneiro. Nem se lembrará Victor Baron, que morreu ao cair ou ser atirado do terceiro andar do prédio da Polícia Central, no Rio. A morte foi oficialmente considerada suicídio. Na ocasião, o médico dr. Miranda teria aplicado no preso o “soro da verdade”.

Márcio Moreira Alves, ex-deputado, jornalista, registra que, no início do regime autoritário, os chefes militares trataram de reprimir os torturadores. O marechal Castelo Branco, indignado com as notícias que Márcio publicara no “Correio da Manhã” sobre torturas em Pernambuco, mandou-lhe recado afirmando “que o Exército brasileiro não tortura”.

Geisel, chefe da Casa Militar, foi despachado para Recife, e constatou que a tortura, rotineira nas primeiras semanas do golpe, estavam encerradas. “As ordens que ele transmitiu foram suficientemente severas para impedir essa prática até 1968”. Dinate, porém, das primeiras ações da guerrilha urbana, os serviços secretos legitimaram a tortura por não saberem combater pela inteligência, esquecendo os antigos procedimentos brasileiros de Osório na Guerra do Paraguai: “O prisioneiro desarmado e pacífico é um ser humano, e como tal deve ser tratado”.

 

Por Manoel Hygino

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