Telegrama da embaixada americana de 1973 comprova que Claris Halliwell era adido político
O americano Claris Halliwell, que foi identificado como assíduo visitante do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) na época da ditadura militar, era diplomata e atuava no Consulado-Geral em São Paulo como adido político. De acordo com telegrama enviado em 1973 pela Embaixada dos Estados Unidos ao Departamento de Estado, ele chegou a receber ameaças por causa de suas atividades.O nome de Halliwell ganhou destaque após a descoberta, nos arquivos do antigo Dops, de uma série de livros de portaria que identificavam as pessoas que visitavam aquele local – um dos principais centros de repressão política no início da década de 1970. De acordo com levantamento feito pelo Estado nos livros, Halliwell frequentou o edifício entre abril de 1971 e novembro de 1973. Identificado como “cônsul”, em 1971 realizou uma média de duas visitas por mês aos delegados da linha de frente da repressão, frequentemente envolvidos com denúncias de torturas a presos políticos.
Consultados pelo Estado, representantes do consulado em São Paulo disseram que não podem confirmar a passagem de Halliwell por São Paulo, uma vez que não guardam registros da época. Os rastros de sua passagem pelo consulado, porém, podem ser encontrados em documentos oficiais contidos no Arquivo Nacional dos EUA.
O Estado localizou um telegrama enviado pela embaixada ao Departamento de Estado, no qual Halliwel é identificado como adido político do consulado. Respondia ao cônsul-geral Frederic Chapin, que serviu no Brasil entre 1972-1980.
O nome dele também aparece cinco vezes no NameBase, banco de dados privado sobre a comunidade de informações dos Estados Unidos. Um dos registros é uma lista, de 1983, com nomes de integrantes da Associação de Ex-Agentes de Inteligência, espécie de sindicato de agentes da área de informação aposentados.
O telegrama enviado pela embaixada descreve ameaças que Halliwell teria recebido por telefone, no dia 26 de outubro de 1973, por volta das 22h30. A ligação seria de um “homem não identificado, falando bom português e com sotaque ‘paulista'”. No telefonema, o homem teria dito “se você não parar de nos atacar, nós vamos tomar medidas contra você”. Outras duas ligações teriam sido recebidas na mesma época.
No final do telegrama, a embaixada observa que o fato pode estar relacionado a um incêndio causado por uma bomba caseira lançada na casa de outro funcionário do consulado, James Lawler, em maio de 1973.
Atenção. Esquecidos no Arquivo Público do Estado, os livros de portaria do Dops chamaram a atenção de assessores da Comissão Estadual da Verdade. Logo depois, foram digitalizados e divulgados pela Internet. O nome de Halliwell provocou imediata polêmica. Outros representantes diplomáticos também frequentavam o Dops, que abrigava uma delegacia especializada em assuntos estrangeiros. Mas nenhum com a mesma frequência.
Além do telegrama ao Departamento de Estado, não surgiram outras referências ao adido na correspondência diplomática. Também não há, nos arquivos liberados, citações sobre a detenção de cidadãos americanos, o que poderia explicar a presença de Halliwell no local.
O diplomata era filho de missionário evangélico que atuou na Amazônia e falava bem português. Em 1973, o ano das ameaças, a Embaixada dos EUA já estaria expressando ao regime militar as preocupações do governo americano com “abusos de autoridades policiais”, conforme o documento Country Analysis and Strategy Paper for Brazil