Brasil pedirá aos EUA dados sobre “cônsul”
Comissão da Verdade quer que governo Obama esclareça papel do agente Halliwell, que visitava o Dops-SP nos anos 1970
O envolvimento do ex-diplomata americano Claris Halliwell com a ditadura militar brasileira está causando embaraço diplomático entre os dois países em para evitar mal entendidos, a Comissão Nacional da Verdade (CNV) vai pedir ao governo dos EUA, via Itamaraty, ajuda nas investigações, diante da recusa do Consulado-Geral dos EUA em São Paulo em atender aos pedidos da comissão.A estratégia para acertar a colaboração americana, que começou a ser discutida ontem, será fechada na terça-feira, em reunião da CNV com o coordenador da Comissão Estadual da Verdade da Assembleia Legislativa de São Paulo, Ivan Seixas. Se a via diplomática não for suficiente, as duas comissões vão discutir meios legais de cobrar explicações do governo americano. Um dos caminhos seria acionar, pelo Ministério da Justiça, o acordo de cooperação jurídica internacional entre os dois países.
A estratégia foi anunciada ontem, no primeiro balanço do ano sobre o assunto, que reuniu 30 comissões, entre estaduais e municipais. No encontro, a CNV informou que dezenas de agentes; da repressão, já identificados, serão convocados para depor, entre militares, policiais e civis; Entre estes estariam empresários; que financiavam a repressão, cediam imóveis para torturas ou até participavam de ações. Até agora, a comissão tomou 40 depoimentos, entre vítimas e acusados de autoria de crimes. Cerca de 50 mil pessoas, segundo a comissão, teriam sofrido algum tipo de abuso durante a ditadura.
Protagonismo. Documentos revelados domingo pelo Estado mostram que o Departamento de Ordem Política e Social (Dops) de São Paulo registrou visitas regulares de Claris Halliwell, identificado como “cônsul”, à sua sede entre 1971 e 1974. Na época, o local funcionava como um centro de torturas. Outros documentos, localizados pela Comissão Estadual, mostram que o ex-diplomata tinha protagonismo político no Brasil desde antes do golpe militar: já em 1958; ele intermediou o encontro de uma missão do Departamento; de Estado com o presidente Juscelino Kubitschek.
Ivan Seixas informou que a relação Halliwell-Dops precisa ser melhor esclarecida, pois algumas de suas visitas coincidiram com desaparecimento de presos políticos, como foi o caso de Devanir José de Carvalho. Falecido em 2006, Halliwell teria tido contato com outros golpes de Estado na América Latina.
O Globo
Comissão da Verdade: Agentes da repressão identificados
A Comissão da Verdade anunciou ter identificado “várias dezenas” de agentes da repressão, entre militares, policiais e civis. Muitos já foram ouvidos, e todos serão convocados a depor. Segundo a Comissão, em 1964 foram presas cerca de 50 mil pessoas em apenas cinco estados, num esquema que incluía detenções em massa.
Repressão com nome e RG
Comissão da Verdade diz que identificou “várias dúzias” de agentes da ditadura; 15 foram ouvidos
A menos de três meses de completar seu primeiro ano de funcionamento, a Comissão Nacional da Verdade apresentou balanço de seus trabalhos e anunciou ter identificado “várias dúzias” de integrantes da repressão. São militares, policiais e até civis que atuaram durante a ditadura. Segundo a comissão, algumas dessas pessoas já foram ouvidas e outras ainda serão convocadas. Quem se recusar a comparecer poderá ser processado por desobediência.
Até agora, já foram tomados 40 depoimentos pela Comissão da Verdade. Desses, 15 eram de agentes da repressão. A comissão não detalhou a atuação desses agentes durante a ditadura.
O balanço dos trabalhos ocorreu durante um encontro com representantes de comitês da verdade, memória e justiça dos estados.
– Já identificamos várias dúzias, não foram duas ou três, de membros da repressão. Com nome, RG e endereço – disse Guaracy Mingardi, que assessora o grupo coordenado pelo advogado José Paulo Cavalcante, um dos integrantes da comissão.
Pelo entendimento do Supremo Tribunal Federal, agentes que torturaram durante a ditadura não podem mais ser alvo de processo, porque foram beneficiados pela Lei da Anistia.
O novo coordenador da Comissão da Verdade, Paulo Sérgio Pinheiro, confirmou que o grupo já recorreu ao expediente de convocar depoentes, mas não revelou nomes.
– Já fizemos várias convocações, mas não fazemos alarde. Não dá para sair por aí dizendo vamos ouvir fulano, beltrano ou sicrano. Até porque esse pessoal (militares) já vivia naquela época em rede e continua vivendo assim, como se vê por aí – disse Pinheiro, numa referência aos sites de militares daquele período, criticando ações da Comissão da Verdade.
Coordenadora do grupo “Golpe Civil Militar de 1964”, na comissão, Rosa Maria Cardoso da Cunha, ex-advogada da presidente Dilma Rousseff durante os anos de chumbo, afirmou que os primeiros levantamentos sugerem que cerca de 50 mil pessoas foram presas em 1964, no Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, São Paulo e Pernambuco.
Rosa contou que a comissão investiga o uso de manobras de detenção em massa naquele período, como padrão de repressão, em operações chamadas pente-fino e arrastão. São prisões que se deram com bloqueio de ruas, buscas de casa em casa e checagem individual. Era necessário localizar pessoas em listas previamente preparadas.
– O uso dessa violência permitiu ao regime militar construir o estatuto de um Estado sem limite repressivos. Com três consequências: inoculou a tortura como forma de interrogatório nos quartéis militares, a partir de 1964; fez da tortura força motriz da repressão praticada pelo Estado brasileiro até pelo menos 1976; possibilitou ao Estado executar atos considerados inéditos em nossa história política: a materialização de atos de tortura, assassinato, desaparecimento e sequestro – disse Rosa.
Segundo levantamento preliminar feito por ela, entre 1964 e 1967, foram registrados pelo menos 27 mortes e 403 casos de tortura no país.
Presente à reunião, Gilney Viana, ex-preso político e atual coordenador do projeto Memória e Verdade da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, foi preso em 1964 e lembra que as prisões naquele ano se davam de forma indiscriminada. Ela atuava no movimento estudantil, em Belo Horizonte (MG).
– Para justificar o golpe, os militares saíam prendendo todo mundo. A cadeia era um cadeião. Prendiam cem, duzentas pessoas numa leva só – lembrou Gilney, que ficou quinze dias preso em Belo Horizonte. Depois, passou dez anos preso no Rio.
Rosa Cardoso afirmou ainda que os opositores do regime militar também eram presos em navios e estádios de futebol. Nos navios “Raul Soares” e “Almirante Alexandrino”, cerca de 600 pessoas foram mantidas presas. Em sua maioria, sargentos e lideranças sindicais. Rose citou o estádio Caio Martins, em Niterói, como um dos centros de detenção da ditadura.
“promiscuidade entre estado e fazendeiros”
A psicanalista e escritora Maria Rita Kehl, que cuida das violações no campo e dos direitos indígenas durante a ditadura, disse que a aproximação dos militares com os grandes proprietários de terra era intensa.
– O que havia era uma promiscuidade entre o Estado e os grandes fazendeiros. A violação de direitos humanos dos trabalhadores ocorria até mesmo por simples questões trabalhistas, imagina quanto o assunto era luta pela terra – afirmou Maria Rita. – Com a vitória do Estado militar na Guerrilha do Araguaia, a terra era distribuída de forma aleatória a amigos do Curió (Sebastião Curió, militar que atuou contra guerrilheiros). É o que buscamos comprovar – disse.
Ex-ministro da Justiça de Fernando Henrique Cardoso, José Carlos Dias é o responsável pelo grupo que trata da violações de direitos humanos. Dias alertou que aqueles que forem convocados e descumprirem a ordem, podem ser criminalizados:
– Vamos convocar. Quem não aceitar, vai responder por crime de desobediência. É uma escolha.
José Paulo Cavalcante minimizou a necessidade de convocar pessoas e citou a idade avançada dos que atuaram naquele período:
– Não será fácil. Muitas dessas pessoas tinham 50 anos naquela época. Agora, quem está vivo, está com 100 anos. Temos que falar com os mais jovens daquele período. E vamos convidar. Não será uma caça às bruxas.
incômodo com exposição desnecessária
Paulo Sérgio Pinheiro demonstrou-se incomodado com uma exposição desnecessária da Comissão da Verdade e afirmou que não está em busca de notoriedade.
– É fundamental mantermos uma postura de sobriedade e de estrita cautela com o que dizemos e divulgamos, até por respeito às vítimas e investigações em curso. Não dá para sermos aquele que abre a porta da geladeira, vê luz e começa a dar entrevista – disse o coordenador da Comissão da Verdade. – Muitas vezes, o açodamento em divulgar um documento, um depoimento, uma suspeita põe por terra o trabalho cuidadoso de investigação, de coleta de indícios e identificação dos depoentes. Nunca esqueçamos que, afinal, seremos julgados não apenas por mobilização imediatista das atenções muitas vezes efêmeras no presente, mas pelo relatório final. É isso que interessa. É isso que conta.
O grupo tratou também dos militares perseguidos pela ditadura e citou que centenas de praças, opositores do regime, foram alvos dos oficiais. O entendimento da comissão é que a história deles não ganhou visibilidade. Apenas alguns deles, como Carlos Lamarca, ficaram conhecidos.
O Correio braziliense
Correio, 26.02.2013
Pinheiro assume a Comissão da Verdade
A Comissão Nacional da Verdade fez ontem um balanço dos trabalhos desenvolvidos até o momento, em quase 10 meses de funcionamento. No encontro, que reuniu representantes de 30 colegiados das unidades da Federação, além de instituições públicas e organizações de classe, também foi apresentado oficialmente o novo coordenador do grupo, nomeado na semana passada: o professor Paulo Sérgio Pinheiro, ex-secretário de Direitos Humanos no governo Fernando Henrique Cardoso. Pinheiro deverá dar um tom mais discreto à comissão, seguindo o estilo adotado quando esteve no Executivo.
Assim como os dois antecessores — o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Gilson Dipp e o ex-procurador-geral da República Cláudio Fonteles —, Pinheiro é ligado à questão dos direitos humanos. Além de ter trabalhado na área, ele era integrante do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo, onde foi professor titular. Ao contrário dos antecessores, Pinheiro é avesso a entrevistas, mantendo as aparições públicas às estritamente necessárias.
A discreta atuação do ex-ministro foi notada, por exemplo, durante a elaboração do primeiro Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH), entre 1996 e 2002, quando ele relatou a proposta. No governo do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ele foi o revisor do mesmo plano, que está em vigor desde 2009. Na Comissão Nacional da Verdade, pelo menos até 15 de maio, quando termina seu mandato como coordenador do colegiado, Pinheiro terá poucos temas espinhosos para resolver.
“Não dá para sermos como aquele que abre a porta da geladeira, vê a luz e começa a dar entrevista. Muitas vezes, o açodamento em divulgar um documento, um depoimento ou uma suspeita põe em terra o trabalho cuidadoso de investigação, de coleta de indícios e identificação de depoentes”, disse Pinheiro, durante o encontro de ontem. Segundo ele, uma das metas do colegiado será a questão dos mortos e desaparecidos durante a ditadura. Pelo menos 40 pessoas já foram ouvidas pela comissão desde maio do ano passado, incluindo agentes públicos que atuaram no regime militar e torturadores.
Resultados
No encontro de ontem, as comissões estaduais da verdade também mostraram os resultados dos trabalhos, divididos em três blocos. No primeiro, apresentado pela advogada Rosa Maria Cardoso, foi abordado o golpe de 1964. Em seguida foram discutidas as violações de direitos humanos no campo e em terras indígenas. Na última parte, a apresentação focou os crimes graves contra os direitos humanos. Segundo levantamentos da comissão, pelo menos 50 mil pessoas foram alvo da repressão durante a ditadura. Muitas delas chegaram a ser presas em navios e em estádios.
Cada um dos blocos foi dividido por temas apresentados pelos conselheiros que atuam em cada setor. O ex-ministro da Justiça José Carlos Dias, por exemplo, fez um balanço sobre a ditadura e o sistema de Justiça, enquanto Fonteles apresentou seu trabalho em torno do Estado ditatorial-militar. O novo coordenador da Comissão Nacional da Verdade falou do papel das igrejas na durante ditadura.
Para saber mais
Foco em três eixos
Criada em 2009, mas instalada apenas em maio do ano passado, a Comissão Nacional da Verdade tem como obrigação investigar as violações dos direitos humanos durante o regime militar e de outros governos ditatoriais em diferentes períodos.
Pelo menos três casos têm sido priorizados pela Comissão Nacional da Verdade: a questão da Guerrilha do Araguaia, no início da década de 1970; a localização dos chamados porões da ditadura; e a Operação Condor, que teria unido as ditaduras sul-americanas. No último caso, o colegiado analisa as características da morte dos ex-presidentes do Brasil João Goulart e Juscelino Kubitschek. “Alcançamos nove meses da nossa jornada e, apesar de muito trabalho já ter sido feito, temos ainda um longo caminho pela frente”, diz o coordenador da comissão, Paulo Sérgio Pinheiro.
Segundo Pinheiro, alguns órgãos públicos têm sido fundamentais para os trabalhos do grupo, como os ministérios da Educação, de Relações Exteriores e de Defesa, além de empresas estatais, como a Petrobras, e as próprias Forças Armadas. Ontem, o colegiado firmou três convênios — com a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), com a Associação Nacional de História e com os Conselhos dos Pós-Graduados em Direito. (EL)