Haiti confronta Baby Doc pela 1ª vez com vítimas da ditadura

Ex-ditador, já enquadrado por corrupção, comparece a audiência em que será definido se enfrentará processo também por violação dos direitos humanos durante seus 15 anos no poder. Condenação é tida como improvável.

 

Baby Doc herdou a presidência do seu pai, François Duvalier (foto), em 1971 e deu continuidade à repressão no Haiti

 

Já na mira da Justiça por corrupção, o ex-ditador Jean-Claude Duvalier, o Baby Doc, deverá comparecer nesta quinta-feira (28/02) a uma audiência em Porto Príncipe por violações dos direitos humanos. A audiência não é certeza da abertura de um julgamento, mas é simbólica ao confrontar com o testemunho de vítimas um chefe de Estado que acredita-se ter sido responsável pela morte, tortura e desaparecimento de milhares de haitianos durante seu regime (1971-86).

Três audiências já haviam sido marcadas, e Baby Doc, de 61 anos, faltou a todas. Desta vez, no entanto, foi intimado a comparecer mesmo que, segundo o juiz, tenha que ser levado à força. As acusações de violações de direitos humanos haviam sido descartadas em fevereiro de 2012 em primeira instância. Na ocasião, o juiz considerou os crimes prescritos. Nestes últimos 12 meses, no entanto, mais de 30 supostas vítimas da ditadura de Duvalier apresentaram denúncias, e o caso voltou à pauta da Justiça haitiana.

“A decisão é uma importante vitória para as vítimas de Duvalier, que nunca desistiram de vê-lo na corte, e para a população haitiana, que tem o direito de saber o que aconteceu durante os anos negros da ditadura de Duvalier”, disse Reed Brody, conselheiro e porta-voz da ONG Human Rights Watch. “Agora cabe às autoridades garantir que a notificação judicial será executada rapidamente.”

Baby Doc já responde a um processo sobre corrupção – estima-se que tenha desviado entre 300 e 800 milhões de dólares durante seu governo. E, se realmente por submetido a julgamento por crimes de lesa-humanidade, será um fato por si só histórico. No Haiti, os juízes não são previsíveis, e a legislação é contraditória.

“É impossível antecipar o resultado, pois isso depende de um conjunto desconhecido de variáveis políticas, jurídicas e econômicas”, opina Antônio José Ramalho, professor de relações internacionais da Universidade de Brasília (UnB). “Dada a riqueza e a articulação política que ele ainda possui, muito dificilmente ele será preso.”

 

Sem clamor popular

Fora do círculo de ativistas e autores das acusações, não há grande clamor popular para um julgamento no Haiti, onde mais de metade da população de 10 milhões ainda não vivia durante o regime de Duvalier. Além disso, o período da ditadura não está incluído no currículo das escolas do país.

“Em parte, não há clamor público porque as pessoas estão mais preocupadas em sobreviver e em construir seu futuro. Os políticos têm imagem muito ruim junto à sociedade, e a maioria dos haitianos julga que não importa muito o que vai ser julgado e que todos os políticos são muito parecidos”, destaca Ramalho.

Enquanto entre 2 e 3 mil pessoas estão em detenção prolongada nas prisões haitianas, Duvalier foi autorizado a viver, durante o processo, em uma mansão localizada nas colinas próximas à capital do país. Apesar de um juiz ter ordenado que ficasse em prisão domiciliar, ele era visto em restaurantes chiques de Porto Príncipe e chegou a viajar para o interior do país. Em dezembro, teve seu passaporte diplomático renovado.

A única possibilidade de o julgamento vir a ser um divisor de águas será na improvável condenação de Baby Doc e sua consequente prisão.

“Embora não seja algo revolucionário, o fato de um ex-presidente ser chamado à Justiça é auspicioso no marco do processo de aperfeiçoamento das instituições do país”, explicou Ramalho. “É um sinal de progresso e de esperança para a construção da cidadania no Haiti.”

 

Regime brutal

O regime de Baby Doc durou de 1971 a 1986 e foi tão ou mais brutal e corrupto que o de seu pai e antecessor, François Duvalier, o Papa Doc. Ele não perseguia e torturava somente seus opositores, mas assegurava a dominação sobre a população local, de modo a manter privilégios.

Ao mesmo tempo, embora violento e ilimitado no que concerne ao comportamento dos macoutes(uma espécie de milícia paga pelo presidente), no quadro geral, o governo de Baby Doc garantia alguma estabilidade para a população do país.

“Isso explica, por um lado, o apoio externo que recebeu, inclusive dos Estados Unidos, no marco da contenção do comunismo durante a Guerra Fria. De outro, o saudosismo com que parte das elites e da classe média olham para os anos de seu governo”, destacou Ramalho.

Era um período que o país atraía turistas e havia atividade econômica suficiente para manter os poucos ricos e a pequena classe média e razoável grau de segurança para essa parcela da população. Baby Doc foi retirado do poder após uma revolta popular em 1986. Em 2011, após 25 anos de exílio na França, voltou de surpresa ao Haiti, que lembrava então um ano do terremoto e acabara de realizar conturbadas eleições presidenciais.

 

 

Fonte – DW.DE

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