Viúva de policial desaparecido na ditadura não recebe o que tem direito

Wálter Ribeiro Novaes era militante da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária) e desapareceu em 1971, após ser preso por agentes da ditadura. Baiano, trabalhava em Copacabana, no Rio de Janeiro, como guarda-vidas, categoria hoje integrada à Polícia Civil. A esposa de Wálter, Atamilca Ortiz Novaes, com quem ele teve dois filhos, até hoje não recebe nenhum tipo de reparação financeira do Estado.

Carlos Lamarca e o embaixador suíço Giovanni Enrico Bucher fazem parte da história de Wálter Ribeiro Novaes.

 

Atamilca é indígena e mora hoje numa aldeia na fronteira do Brasil com a Colômbia. Marcos Novaes, que é advogado e primo em 2º grau de Wálter, relatou ao jornal do SINPOL que a família está se esforçando para reunir condições financeiras que permitam trazê-la de volta ao RJ, onde poderá reivindicar seus direitos.

De acordo com documento do Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, a prisão que resultou no desaparecimento de Wálter ocorreu no dia 12/07/1971. Mas um documento da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos dá conta de que ele foi preso duas vezes.

A 1ª teria sido em 13/06/1970. Ronaldo Aguinaga, ex-militante da ALN (Ação Libertadora Nacional), esteve preso com Wálter naquela ocasião. “Por causa do meu envolvimento logístico com o sequestro do embaixador alemão, fui preso pelo CENIMAR (Centro de Informações da Marinha) em 16/06/70. Primeiro fui levado para o 1º Distrito Naval, depois para o DOI-CODI.”, contou Ronaldo ao jornal do SINPOL.

Ronaldo relatou que, no DOI-CODI, ficou inicialmente numa cela solitária por 15 dias e só depois foi transferido para onde se encontrava Wálter. “Eu tinha 22 anos, estávamos na Copa de 70. Ficamos nós dois numa cela, que era a única gradeada. Ele era um cara tranqüilo, calmo, gente fina, sempre sorrindo dentro do possível na situação. Ele foi solto antes de mim.”, lembrou Ronaldo.

Essa primeira prisão de Wálter durou dois meses. Ao ser libertado, passou a viver na clandestinidade e teria assumido, na VPR, a tarefa de cuidar da infraestrutura do comando da organização, onde era conhecido como “careca”.

A segunda prisão, ocorrida em 1971, foi a que resultou no desaparecimento. Segundo informações do grupo Tortura Nunca Mais, Wálter teria sido preso no bairro da Penha, Rio de Janeiro, por volta das 18:30, quando ia para um encontro de rua com um simpatizante da organização conhecido como Alípio, que também era salva-vidas e trabalhava na Barra da Tijuca.

Em 1972, o militante da VPR José Carlos Mendes, então com 18 anos, chegou ao Chile com uma jovem indígena e os dois filhos dela. A moça era Atamilca Ortiz Novaes, esposa de “Dico” (nome de guerra de Wálter). José Carlos relembrou para o jornal do SINPOL a história de amor que envolve esse caso:

“A esposa de Wálter, Atamilca, trabalhava como doméstica em casa de militares na cidade de Letícia, fronteira do Brasil com a Colômbia. Os militares a trouxeram para trabalhar no Rio. Índia, não estava acostumada com o mar. Ela estava se afogando em Copacabana quando Wálter a salvou. Assim se conheceram.”, narrou José Carlos frisando a coragem de Wálter por não ter delatado nada aos torturadores. “Por isso ele morreu”. José Carlos contou ainda que, após se exilar no Chile, Atamilca morou durante anos na Suécia.

No Chile, quem recebeu a indígena e seus filhos, Arlindo e Tatiana, bebê de colo, foi Aluízio Palmar: “Eu era responsável pela VPR no Chile, peguei os três e levei para um circo fora de Santiago, onde ficaram confinados por cerca de cinco meses.”, contou Palmar ao jornal do SINPOL.

“Eles já sabiam que o Wálter tinha sido preso, por isso a VPR os tirou do Brasil, pela fronteira seca, no Paraná. Wálter e Atamilca moravam num subúrbio do Rio e eram tão confiáveis dentro da organização que chegaram a hospedar Lamarca”, relatou Palmar, jornalista e autor do livro “Onde foi que vocês enterraram nossos mortos?”

Há duas versões a respeito de como Wálter teria morrido. Os ex-presos políticos Alex Polari de Alverga e Lúcia Maurício Alverga, também da VPR, em depoimentos prestados na época à Justiça Militar, denunciaram que agentes do DOI-CODI/RJ disseram que Walter estava morto após ter sido torturado naquele órgão de repressão.

Já Inês Etienne Romeu, que esteve seqüestrada em sítio clandestino em Petrópolis (RJ), onde funcionava a chamada “Casa da Morte”, escreveu em relatório de prisão que ali esteve, em julho de 1971, um militante que ela acredita ser Walter Ribeiro Novaes. Ela diz ter ouvido de um carcereiro, conhecido como Márcio, que ele o tinha matado. Segundo ela, no período entre 8 e 14 de Julho, os carcereiros teriam comemorado a morte de Wálter.

Fernando Bandeira, presidente do SINPOL, acredita na importância de que histórias como essa venham à tona: “Estamos vivendo a Comissão da Verdade. Eu, que fui preso por ter participado da Revolta dos Marinheiros, considero relevante resgatar a memória de alguém que lutou por um ideal e hoje seria nosso companheiro na polícia.”

Dentre outras ações de guerrilha, Wálter, que hoje dá nome a uma rua paulistana no bairro Jardim Andaraí, participou do sequestro do embaixador suíço, Giovanni Enrico Bucher, em 1970. Ex-companheiros de Wálter na VPR, com os quais jornal do SINPOL conversou, consideram esses sequestros como “um dos feitos mais marcantes da resistência à ditadura militar brasileira.”

Em troca da liberdade dos embaixadores, os guerrilheiros exigiam a libertação de amigos capturados, que estavam sendo torturados. O embaixador suíço foi trocado por 70 presos políticos, deportados para o Chile em janeiro de 1971. Essa atitude era também um meio de chamar atenção da mídia, que dava a esses seqüestros uma cobertura maior do que de outras ações da luta armada.

 

Por Ana Helena Tavares – jornalista, assessora de imprensa do Sindicato dos Policiais Civis do RJ (SINPOL) e editora do site “Quem tem medo da democracia?” (QTMD?).

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