Há 30 anos, Dops encerrava atividades

Largo General Osório, 66. O endereço no coração de São Paulo acolhia um dos principais órgãos de inteligência do regime militar brasileiro, o Dops (Departamento de Ordem Política e Social). O prédio imponente, próximo à Estação da Luz abrigava ativistas políticos na época da ditadura. Pessoas de todos os lugares do Estado passaram pelas celas e salas de torturas da instituição, que encerrou as atividades há exatos 30 anos, no dia 4 de março de 1983.

O fechamento do departamento anunciava a queda do regime militar – fato que ocorreu dois anos e 11 dias depois da extinção da delegacia, que tinha ‘olhos’ no Grande ABC. Professor do curso de Ciências Sociais da Universidade Metodista de São Paulo, Oswaldo Santos destacou que a região foi um dos principais campos de atuação do departamento. “O fechamento ocorre no contexto das lutas sociais que vinham acontecendo, sendo que um dos palcos principais foi a nossa região. O fim do Dops foi um símbolo que marcou o fim do regime”, avaliou. O Dops possuía uma seccional no Centro de São Bernardo.

O docente explicou que a delegacia tinha muita força como instituição estadual por conta do alto poder de investigação que os militares possuíam. “O Doi-Codi (Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna) era subordinado ao Exército, enquanto o Dops era do Estado”, afirmou Oliveira.

Fábio Pires Gavião, coordenador do curso de História da Universidade Anhanguera/UniABC, reiterou que os militares do Dops foram responsáveis por arrancar informações valiosas sobre movimentos contra o regime. “Os porões da ditadura eram os porões do Dops, que era utilizado para interrogatórios e sessões de torturas.”

Gavião explicou que o departamento era dividido entre três áreas principais: expediente, protocolo e arquivo geral (onde ficam armazenadas todas as informações).

As torturas eram práticas comuns e ocorriam sempre no período da noite. Segundo Oliveira, o fim do Dops não significou o fim das sessões com choques e pau de arara. “Mas não foi somente um órgão que cometeu abusos”, ponderou.

O aposentado de Ribeirão Pires Odair Malerba, o Daia, sentiu na pele tortura cometida nos fundos do departamento. “Bateram muito. Judiaram muito. Era levado de madrugada e voltava todo arrebentado pela manhã. Tenho um joelho que eles quebraram”, contou. A prisão dele ocorreu após uma discussão com um militar no Centro da cidade, em 1970.

A passagem de duas semanas pelo Dops atrapalhou o resto da vida de Daia. “Em 1974, eu era de uma empreiteira, mas não fui incorporado (para trabalhar na Refinaria de Capuava) porque eu tinha ficha (no Dops)”, recordou. Hoje, o aposentado tenta amenizar os danos com uma ação na Justiça.

Museu exalta resistência dos presos e torturados

Os gritos deram lugar ao silêncio. As paredes comprovam que por ali passaram diversos jovens persistentes na ideia de libertar o Brasil de um regime militar. As celas que antes abrigavam os ‘subversivos’ hoje recebem aqueles que têm curiosidade em saber da luta que teve fim no dia 15 de março de 1985, com a queda da ditadura.

O Memorial da Resistência está no prédio que funcionava o Dops – o mesmo local também abriga a Pinacoteca. Foi inaugurado em 2002 em memória das centenas de vidas perdidas pela peleja contra a repressão política.

O museu mantém quatro celas utilizadas para acolher os capturados pelos militares. Um espaço não foi modificado para preservar as marcas dos presos. Marcadas com canivete, as inscrições vão desde nomes até palavras de ordem como “abaixo a ditadura”, passando pelo símbolo da ALN (Aliança Libertadora Nacional).

As celas possuem cerca de 30 m². Acolhiam de dez a 15 presos. O chuveiro era um cano de água fria – a única carceragem com água quente era exclusiva para as mulheres. A pia modesta tinha que ser dividida entre todos os encarcerados.

Os corredores do prédio são gelados e ainda soam intimidadores. O caminho ao banho de sol – um corredor estreito – não é diferente. Grades por todos os lados. Um guarda munido de fuzil ficava no fim do espaço para coibir qualquer tipo de rebelião. O dia mais agitado nos corredores era sábado, quando todos se mobilizavam para a faxina.

O chamado fundão do Dops, onde, segundo relatos, eram realizadas as torturas, foi destruído. As celas individuais que ficavam ao lado dos espaços preservados também não ficaram de pé. O Memorial funciona de terça-feira a domingo, das 10h às 17h30. Entrada grátis.

‘A minha boca ficou em carne viva’

Foram 89 dias sem ver a luz do Sol. Olivier Negri Filho passou praticamente três meses na sede do Dops incomunicável com o mundo externo. Entre as sessões de torturas física e psicológica, o então estudante de Mauá enfrentou, aos 18 anos, o que chama de maior trauma da sua vida.

O morador do Jardim Zaíra e atual diretor de escola iniciou sua luta política ainda nos bancos da Igreja Católica, para depois se tornar militante da AP (Ação Popular). A luta era intensa, até que o movimento foi delatado ao serviço de inteligência da Marinha. “Fui o primeiro a ser preso. Me levaram para uma chácara em Mauá, iniciaram o processo de tortura (…) Não confirmava informação nenhuma. Não era heroísmo, era medo. Se eles desconfiassem que eu sabia de alguma coisa, eles iam me matar”, recordou.

As sessões de torturas continuaram na seccional do Dops em São Bernardo, episódio que antecedeu a ida para o Dops. “Fui colocado no pau de arara por mais de uma hora. Distendeu meu nervo ciático. Estava sangrando porque eles me deram um pontapé e abriu meu supercílio. A minha boca ficou em carne viva. As quatro obturações que eu tinha caíram por causa dos choques.”

Após passar quatro dias na carceragem em São Bernardo, Olivier foi levado pelos militares para casa, onde tomou banho e seguiu para o Dops. Apesar de lá não ter sofrido agressões físicas, o militante foi impedido de receber visitas e tomar banho de sol.

Após diversas tentativas e o silêncio, Olivier foi solto. “No fim das contas, me ofereceram emprego para ser espião deles. Agradeci, mas não aceitei.” CT

‘Eu e o Lula não tínhamos contato com outros presos’

Nelson Campanholo era um jovem de 24 anos quando foi preso junto com outros 12 dirigentes do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Entre os companheiros estava Luiz Inácio da Silva, que ainda não era Lula. Os dois ficaram três dias detidos na sede do Dops por liderarem diversas greves trabalhistas no começo da década de 1980. “A gente era meio topetudo. Íamos para a porta das fábricas com microfones e alto-falantes”, declarou.

Campanholo afirmou que, na prisão, Lula e os outros integrantes do grupo não foram maltratados e não foram encaminhados para as celas. “Ficamos na sala do falecido (Romeu) Tuma, que era delegado da Polícia. Não tínhamos contato com outro presos.”

Apesar de não ter tido problema com os agentes, o ex-sindicalista admitiu que ouviu muitos gritos provenientes das sessões de tortura. “Ouvi diversos berros. A gente ficava tenso, o coração doía. Dava uma mágoa muito grande. Muita gente sofreu muito ali”, relembrou.

O ex-metalúrgico aparece no processo em que o ex-presidente Lula está arrolado. Os documentos disponibilizados pelo Arquivo Público do Estado de São Paulo mostram que os dois responderam à ação judicial por incitar greves trabalhistas no Grande ABC.

‘É chocante saber que vasculharam a minha vida inteira’

O secretário de Gabinete em Santo André, Tiago Nogueira (PT), conhecia bem o caminho do Dops. Por diversas vezes, o petista foi fichado por participar dos comandos de greve no Grande ABC. Mas Tiago nunca foi ficou preso. “Acredito que peguei o fim da ditadura.

 

Fonte – Diário do Grande ABC

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *