Na 67ª sessão da chamada Caravana da Anistia, do Ministério da Justiça, foram expostos os casos de perseguição sofridos por sete mulheres, de comunistas a católicas. A atriz e cineasta Roseli Lacreta, uma das criadoras, nos anos 1960, do Teatro da Universidade de São Pauo (Tusp), disse que passou o estudar o comportamento humano “para tentar entender tanta maldade”.
Casos de perseguição sofridos por sete mulheres foram relatados na na 67ª sessão da chamada Caravana da Anistia, do Ministério da Justiça (Foto: Antonio Cruz/ABr)
Em 1967, aos 21 anos, ela cursava Letras Neolatinas na USP, quando conheceu pessoas como Paulo José, Dina Sfat e Flávio Império, entre outras que organizaram o teatro universitário. A estreia foi com “Os Fuzis da Senhora Carrar”, do dramaturgo alemão Bertolt Brecht, com ensaios na casa do fotógrafo de origem húngara Thomaz Farkas, que morreu há dois anos. Roseli foi presa e demitida, e perdeu um bebê com apenas cinco meses.
Ao lamentar a “doença da violência como prática de punição daqueles que são diferentes”, Roseli disse que sem um período passado fora do país ela não teria “resgatado minha saúde, meu equilíbrio e minha capacidade de atuar”. Além da reparação, ela ganhou o direito de se matricular novamente nos cursos de Letras e Filosofia Pura, agora no Rio de Janeiro, onde mora.
Nas caravanas, a cena se repete: após a decisão favorável à concessão da anistia, os conselheiros e presentes à sessão ficam em pé, enquanto o secretário nacional de Justiça e presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abrão, pede desculpas oficiais em nome do Estado brasileiro.
“O papel da anistia é fundamental para as futuras gerações”, disse Maria Deia Vieira, que teve pai e mãe perseguidos, um irmão preso e duas irmãs torturadas. Ela fugiu de Goiânia para São Paulo, onde viveu anos na clandestinidade. “Ela (Maria) foi atingida por ato de exceção porque teve de abdicar de todas as suas relações pessoais”, observou Abrão. O irmão é o líder estudantil Euler Ivo Vieira, que em1968 escapou de ser assassinado porque uma pessoa parecida foi confundida com ele.
“Vão se completar 45 anos de perseguição Estou com 58 anos. Minha infância e minha adolescência foram roubadas. Eu, sem querer, passei isso para meus filhos”, disse Maria Deia, emocionada, lembrando da carta de uma filha que falava sobre “homens de preto perseguindo meu pai e minha mãe”. É ativista até hoje. “Eu me considero comunista. Não aceito exploração do ser humano.”
“Nunca fui comunista”, afirmou, por sua vez, Maria de Lourdes Toledo Nanci. “Minha perseguição se deu pelo fato de ser católica.” Secretária de diretoria na fábrica de motores elétricos Búfalo, na região do ABC, ela recordou da chegada de dom Jorge Marcos de Oliveira, bispo de Santo André durante mais de 20 anos. “Deixamos de ser cristãos que só rezavam em latim para ser cristão que lutavam pela justiça social”, diz a militante católica, com “oito irmãos proletários”.
Monitora da escola Chapeuzinho Vermelho, em 1968 Monica Tolipan foi estudar Psicologia na PUC do Rio de Janeiro. Ativista do movimento estudantil, elegeu-se presidente do Diretório Central dos Estudantes (DCE) em 1972. Foi presa três vezes, incluindo dez dias em uma cela do Doi-Codi. Após um exílio de ano e meio na Argentina, voltou ao Brasil e se estabeleceu no Sul, onde ficou durante 11 anos, cinco na clandestinidade – durante um tempo, foi Monica Terra. Só conseguiu concluir a graduação em 1982. Tem experiência no tratamento de crianças autistas.
A retomada profissional foi difícil. “Muitos colegas se referiam a mim como alguém que tinha se mantido na clandestinidade”, relatou. “Estou aqui para reconquistar uma cidadania de primeira classe. Ficamos confinados a uma cidadania de segunda classe durante muitos anos. Já nascemos com a insígnia do terror.” Monica lembrou de dom Ivo Lorscheiter, então secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que saiu em sua defesa.
Outro caso analisado foi o de Maria Oneide Costa Lima, mulher de Raimundo Ferreira Lima, conhecido como Gringo. Agente da Comissão Pastoral da Terra (CPT), ele foi assassinado a tiros em 1980, pouco tempo depois de ser eleito presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Conceição do Araguaia, no Pará. Ativista, ela também chegou a ser presa no ano seguinte. Além desses, a comissão julgou os procesos de Thereza Sales Escame, professora da pastoral em São Félix do Araguaia (MT), e Lélea Amaral, professora e militante, presa em 1970, quando estava grávida.
Participaram da abertura a ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres, Eleonora Menicucci, e o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. “Ter tido filhos talvez tenha sido a maior marca de resistência de um mulher naquele período”, disse Eleonora. “A mulher não precisa ganhar flores nem parabéns (no dia de hoje), tem de ganhar respeito e protagonismo na sociedade.”
A Comissão de Anistia recebeu sexta-feira (8) os pedidos de anistia Maria Aparecida Rodrigues, Cipriana da Cruz Rodrigues e Julio Rodrigues de Miranda, todos trabalhadores rurais de Minas Gerais. Vindo das Comunidades Eclesiais de Base, Julio foi morto com dois tiros em 1985.
Fonte – Rede Brasil Atual