A Procuradoria-Geral da República planeja entrar na Justiça com novas ações contra militares na tentativa de responsabilizá-los pelos crimes cometidos durante a ditadura militar (1964-1985).
A Folha apurou que ao menos dez ações devem ser apresentadas até o fim deste semestre em cortes federais.
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Um dos casos em que o Ministério Público Federal tentará responsabilizar os militares é o do ex-deputado Rubens Paiva, desaparecido desde 1971, quando foi preso.
Embora o Supremo Tribunal Federal tenha reafirmado a validade da Lei da Anistia, de 1979, os procuradores defendem a tese de que alguns crimes, como sequestro e ocultação de provas e cadáveres, são permanentes, e portanto estão fora do escopo da lei.
A tese foi apresentada nos últimos anos em processos abertos em instâncias inferiores da Justiça, mas ainda não foi examinada pelo STF.
No caso de Rubens Paiva, novos documentos revelados neste ano mostram que ele foi levado preso para o DOI-Codi, uma repartição militar, no Rio. É o caso da lista de seus pertences pessoais emitida no momento de sua prisão.
A Lei da Anistia concedeu perdão para crimes cometidos por agentes da ditadura e também pelos militantes que lutavam contra o regime.
Em 2010, o Supremo julgou improcedente, por 7 votos a 2, ação da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) que tentava revisar o perdão dado aos representantes do Estado, policiais e militares.
Não foi analisado, nesse caso, a tese do crime permanente, mas sim a constitucionalidade de ações que pretendiam promover a revisão da lei em caráter retroativo.
No mesmo ano, a Corte Interamericana de Direitos Humanos sentenciou que o Estado brasileiro deveria buscar punição para os crimes cometidos por seus agentes no combate à Guerrilha do Araguaia (1972-1975).
A corte é um tribunal internacional composto por representantes do Brasil e de outros membros da OEA (Organização dos Estados Americanos), mas não tem poder suficiente para obrigar os países a mudarem suas leis.
A decisão motivou procuradores a organizarem um grupo de estudo, a partir de 2011, que buscou encontrar alternativas jurídicas para os crimes cometidos na época.
Liderados pela subprocuradora Raquel Dodge, coordenadora da área criminal do Ministério Público Federal, o grupo, que ouviu especialistas da Argentina e do Chile, chegou à tese dos crimes permanentes e imprescritíveis.
HISTÓRICO
A tese do crime permanente gerou, até o momento, quatro denúncias contra militares dos aparatos repressores que combateram militantes esquerdistas. Das quatro, três foram aceitas e viraram ações penais. Nenhuma delas chegou ao Supremo.
A Justiça Federal em Marabá (PA) determinou a abertura de uma ação penal contra o coronel da reserva Sebastião Rodrigues Curió, 78 anos, e outra contra o tenente-coronel da reserva Lício Maciel, 82. Ambos estavam no Exército na Guerrilha do Araguaia.
Nos dois casos, são acusados por sequestros cometidos contra militantes do PC do B que lutaram na guerrilha.
Outra ação foi aberta contra Carlos Alberto Brilhante Ustra, chefe do DOI-Codi em São Paulo de 1970 a 1974. Em outubro do ano passado, a denúncia foi aceita na 9ª Vara Criminal de São Paulo.
Outra ação contra Ustra, também em São Paulo, não foi aceita. A Procuradoria recorreu contra a decisão ao Tribunal Regional Federal, que ainda analisa o caso.
Essas ações do Ministério Público Federal poderão ser questionadas no Supremo. Elas ocorrem no momento em que a Comissão Nacional da Verdade também investiga violações aos direitos humanos cometidas por agentes do Estado durante a ditadura.
Fonte – Folha de São Paulo