Durante evento, participantes homenagearam Inês Etienne Romeu, ex-presa política e única sobrevivente da Casa da Morte de Petrópolis
A Comissão Nacional da Verdade e a Comissão Estadual da Verdade Rubens Paiva realizaram na noite de ontem, em São Paulo, a Audiência Pública “Verdade e Gênero”, para discutir e relembrar a luta das mulheres na resistência à ditadura de 64 e as violências às quais elas foram submetidas neste período.A ministra Eleonora Menicucci, da Secretaria de Políticas para Mulheres da Presidência da República, compôs a mesa da audiência junto com o coordenador da Comissão Nacional da Verdade, Paulo Sérgio Pinheiro, e com o presidente da Comissão Estadual da Verdade Rubens Paiva (SP), deputado Adriano Diogo.
Eleonora Menicucci ressaltou que “as mulheres precisam ser redescobertas na história da luta contra a ditadura. Não se recupera a memória se não se recupera a história das mulheres que fizeram parte e que também construíram essa história.” Mais de 50 mulheres foram mortas ou ainda estão desaparecidas em consequência da luta política de resistência ao regime militar de 64.
Durante a cerimônia, a ex-presa política Amélia Teles relatou as torturas que ela e os filhos sofreram durante o período em que ela esteve presa. Disse que os torturadores usavam da desigualdade de gênero para torturar ainda mais as mulheres presas pelo regime. “Eles usavam a maternidade contra nós, torturavam nossos filhos e diziam que iam matá-los”, explicou Amélia.
Muito emocionada, também relatou casos de violência sexual praticados por agentes da repressão contra ela nas dependências do presídio feminino em São Paulo. Destacou que durante muito tempo as mulheres não conseguiam falar sobre esse tipo de tortura. Para Amélia, “é um peso muito grande falar da violência sexual. Você fica estigmatizada.”
O público ouviu emocionado o testemunho de Amélia e, logo em seguida, a homenagem da ministra Eleonora Menicucci, também ex-presa política, a Inês Etienne Romeu, única sobrevivente da Casa da Morte de Petrópolis.
Inês Etenne revelou, em um depoimento dado à OAB em 71, as torturas e violência sexuais que havia sofrido no cativeiro, e conseguiu dar informações suficientes para que o local fosse identificado anos mais tarde. Eleonora Menicucci destacou a coragem de Inês ao falar dos atos cometidos contra ela. “Falar sobre violência sexual é desnudar-se. A Inês, ao desnudar-se entregou a toda a sociedade brasileira a existência da Casa da Morte.”
O coordenador da Comissão Nacional da Verdade, Paulo Sérgio Pinheiro, agradeceu às mulheres que lutaram contra o regime ditatorial brasileiro. Destacou também que a CNV se preocupou desde o seu início em buscar a história e resgatar a memória da atuação dessas mulheres. A CNV criou no final do ano passado o GT Ditadura e Gênero para pesquisar a violência contra a mulher, suas consequências e impactos.
Paulo Sérgio Pinheiro destacou que o relatório que será entregue ao Governo brasileiro ao final do mandato da Comissão em maio de 2014 irá “considerar fortemente a situação das mulheres”. E completou : “É por causa da persistência da violência, estatal ou não, contra a mulher, que precisamos lidar com essa questão.”
Integrantes da CNV Rosa Cardoso e Maria Rita Kehl também participaram da cerimônia. Estiveram na segunda mesa de debates com a doutora em teologia e filosofia e especialista em gênero Ivone Gebara. Ivone falou sobre a relação entre o poder e a violência contra a mulher, durante o período da repressão e até os dias de hoje. Ela destacou que, além da violência por militarem contra o regime autoritário, as mulheres também apanhavam pela rebeldia de se envolverem em um espaço dito masculino, o espaço de luta, o espaço de combate.
SOBREVIVENTE – Em 1971, Inês foi presa na cidade de São Paulo pela equipe do delegado Fleury. Levada para Petrópolis ficou presa ilegalmente por mais de três meses, período em que sofreu diversos tipos de tortura, incluindo a violência sexual. Inês conseguiu sair da Casa da Morte depois de ter convencido os agentes da repressão de que iria trabalhar como informante do Centro de Informações do Exército (CIE). Quando liberada, Inês não seguiu as ordens dos torturadores.
Passou a ser perseguida novamente e, ao dar entrada em um hospital para tratar das lesões consequentes dos meses de tortura, foi presa e levada para a penitenciária de Bangu, no Rio de Janeiro, onde ficou presa por mais oito anos.
O depoimento dado por Inês após a Lei da Anistia de 1979 foi fundamental para identificar a casa que era usada como cativeiro clandestino em Petrópolis. Durante o tempo em que ficou sob poder dos agentes da repressão, Inês conseguiu escutar e memorizar os codinomes de seus algozes, bem como o codinome do médico que a atendia após as sessões de tortura, o ex-militar Amílcar Lobo, que usava o codinome de “doutor Carneiro”.
Inês também se lembrou dos nomes de outros presos políticos que passaram, sem registro, pela Casa da Morte de Petrópolis. Mas a informação que determinou a descoberta posterior da propriedade usada como cativeiro clandestino foi um número de telefone que Inês conseguiu ouvir durante uma conversa entre dois agentes da repressão. Foi graças à coragem de Inês Etienne que foi possível localizar o local clandestino de tortura e os nomes de alguns presos políticos que lá morreram sem nenhum tipo de registro formal.
Em 2003, Inês sofreu um acidente que a deixou com sequelas, como dificuldade na fala e problemas de memória. Em 2009 recebeu o prêmio de Direitos Humanos “Direito à Memória e à Verdade”, do Ministério da Justiça.
Fonte – Comissão Nacional da Verdade – Assessoria de Comunicação