O ativista Martin Almada, 76 anos, que descobriu o ‘Arquivo do Terror’ paraguaio, em 1992, e que recebeu em 2002 o Prêmio Nobel Alternativo (entregue pelo parlamento sueco), aceitou convite para prestar depoimento à Comissão Nacional da Verdade (CNV), em Brasília, em junho próximo, em sessão pública.
A proposta foi discutida na última terça, 09/04, no Rio de Janeiro com a advogada Rosa Cardoso, membro da CNV e coordenadora do grupo de trabalho que investiga a Operação Condor, a conexão repressiva clandestina entre as ditaduras do Cone Sul, que perseguiu, sequestrou e matou milhares de dissidentes políticos nas décadas de 70 e 80.
Além de Rosa e Almada, participaram do encontro o advogado Modesto da Silveira, o Coordenador da Comissão sobre Mortos e Desaparecidos da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Gilles Gomes, a assessora da CNV Nadine Borges e o colaborador da CNV, Luiz Cláudio Cunha.
Rosa Cardoso debateu com Almada uma agenda de trabalho com foco em dois temas: os 20 anos da descoberta do ‘Arquivo do Terror’, um acervo de três toneladas de documentos hoje tombado pela Unesco como patrimônio da memória mundial e o testemunho direto de uma vítima da Condor no Paraguai em um caso que contou com a participação do Brasil.
O acervo do arquivo pode ser acessado, via internet, aqui:http://www.unesco.org/webworld/paraguay/
“Em novembro de 1974, voltando do exílio na França, fui preso, torturado e levado a um tribunal militar clandestino em Assunção, integrado por outros cinco países, além do Paraguai: Chile, Argentina, Uruguai, Bolívia e Brasil. Todos os militares usavam óculos escuros. O primeiro a me interrogar foi um coronel chileno, seguido por um argentino. Na sequência, fui interrogado por um brasileiro, que não identifiquei pelo posto. Tudo o que eu queria saber era a razão de ser torturado em meu país por militares estrangeiros. Ali, foi a primeira vez que ouvi a palavra Condor”, lembrou Almada.
Prisioneiro durante 1.000 dias da ditadura de Alfredo Stroessner, Almada passou a maior parte do tempo em que ficou preso num campo de concentração militar na capital paraguaia, que abrigava cerca de 400 prisioneiros.
EXPLOSÃO DA MEMÓRIA – Martin Almada, consultor da Unesco para a América Latina, durante muitos anos foi considerado ‘persona non grata’ pelos regimes militares que imperavam na região. Anônimo professor de escola primária no Paraguai, era hostilizado e perseguido pelo Governo Stroessner pela devoção aos textos de dois ‘subversivos’ brasileiros: o educador Paulo Freire, autor de Pedagogia do Oprimido, e o sociólogo Fernando Henrique Cardoso, mentor da Teoria da Dependência.
“Eu não era comunista, nem anticomunista. Era apenas um professor primário. Mesmo assim, era definido pela repressão como um ‘terrorista, intelectual e ignorante’. Toda ditadura sempre tem a vocação do ridículo”, lembrou Almada, que até hoje enfrenta nos bairros mais nobres de Assunção a hostilidade gratuita por seu ativismo. “Às vezes, num carro de luxo, alguém me reconhece, freia, abaixa o vidro e grita: ‘Bolchevique! Eu te odeio’. Eu apenas respondo: ‘Pois eu te amo’. E a vida segue”, diz Almada.
Martin Almada lembra que o Paraguai não passou ileso por 35 anos da ditadura Stroessner, derrubada em 1989. “O medo era a segunda pele dos paraguaios. Era preciso vencer o medo”.
Ele conta que isso começou a ser superado em 1993, quando se instituiu um inédito Tribunal Ético de Consciência, destinado a julgar um general que atemorizava o país com seu poder no aparato repressivo. Durante 40 anos, o general Ramón Duarte Vera atuou também com o narcotráfico e acabou condenado em 1994, para espanto do país, a 12 anos de prisão. O tribunal era composto por 13 pessoas: seis de esquerda e outros seis de direita. O presidente da corte era o próprio Almada.
“Isso tudo provocou uma explosão de memória. A atuação dessa corte de consciência aqueceu o país e nos ajudou a superar o medo”, recorda ele. Todas as sessões do tribunal foram transmitidas ao vivo e com boletins distribuídos à imprensa do país e do exterior. “Com o apoio da opinião pública e a presença da mídia, conseguimos enfrentar e vencer o medo”, concluiu.
Fonte – Comissão Nacional da Verdade Assessoria de Comunicação