Abertura de linha de investigação é exigência de centrais sindicais e movimentos de luta pelos direitos humanos, que calculam que funcionários de empresas representam metade dos mortos e desaparecidos do regime
Rosa Cardoso afirmou que será possível abrir os arquivos de empresas que colaboraram com o regime (Foto: divulgação CNV)A Comissão da Nacional da Verdade (CNV) recebeu hoje (15), em São Paulo, representantes de centrais sindicais para anunciar a criação de um grupo de trabalho interno dedicado exclusivamente à apuração das graves violações aos direitos humanos cometidas contra trabalhadores e sindicalistas durante a ditadura (1964-1985). Essa linha de investigação é uma exigência histórica do movimento sindical, mas acabou se concretizando só agora – quase um ano depois da institucionalização da CNV, em maio do ano passado – graças à pressão das entidades.
“Queremos formar um grupo muito representativo para contar essa história”, afirmou a advogada Rosa Cardoso, membro da CNV, quem ficará encarregada de coordenar as investigações sobre a perseguição aos sindicalistas dentro da comissão. “Ao lado dos próprios militares, a classe trabalhadora foi o segmento da sociedade brasileira mais perseguido após o golpe de 1964. Hoje temos clareza disso. Foram punidos desde os primeiros dias do golpe. Se isso tivesse acontecido com a classe média, a gritaria seria suprema.”
De acordo com Ivan Seixas, presidente do Conselho Estadual de Defesa da Pessoa Humana (Condepe) e membro da Comissão Estadual da Verdade “Rubens Paiva”, de São Paulo, os trabalhadores foram os que mais padeceram com mortes e desaparecimentos durante o regime. “De acordo com levantamento que fizemos a partir das estatísticas disponíveis, 52% dos mortos e desaparecidos eram trabalhadores. Esse número representa cerca de 250 casos”, contabiliza, “e derruba a tese de que foram os estudantes os que mais sofreram nas mãos da repressão.”
Ivan Seixas afirma, porém, que esses números são preliminares e certamente passarão por uma recontagem na medida em que as pesquisas avançarem e novas evidências forem apresentadas às comissões da verdade estaduais e nacional. “A Comissão de Anistia possui uma lista de quase 80 mil nomes de pessoas que pedem indenizações trabalhistas por terem sido perseguidas durante o regime”, pontua. “Por outro lado, é impossível dizer com precisão quantos trabalhadores rurais foram mortos pela ditadura, porque muitos, sobretudo no Nordeste, acabaram sendo assassinados pelas mãos de jagunços – e não por agentes do Estado.”
Intervenções
O secretário nacional de Políticas Sociais da CUT, Expedito Solaney, informou que cerca de 400 sindicatos sofreram intervenção no primeiro dia do golpe, 1° de abril de 1964. “Ao longo dos 21 anos de ditadura, outras 350 associações de trabalhadores passaram pelo mesmo processo”, pontua. “Imaginem a dimensão do número de prejudicados.”
Ao retomar a palavra, Rosa Cardoso afirmou que pretende abrir os arquivos de empresas que colaboraram com a ditadura repassando aos órgãos de repressão informações confidenciais de seus empregados – principalmente dos que se envolviam com a luta sindical. Como foi relatado em reunião da Comissão Estadual da Verdade duas semanas atrás, há fortes indícios de que diretores de fábricas da região metropolitana de São Paulo, como Monark e Scania, por exemplo, colaboravam com agentes do Departamento Estadual de Ordem Política e Social (Deops).
“Faremos as requisições que forem necessárias”, garantiu a advogada. “Temos também o poder de convocar pessoas para prestar depoimentos.” Rosa alertou, porém, que ainda não possui uma lista das empresas – e seus antigos executivos – que deverão ser investigadas pela comissão. Estas e outras questões, assim como a metodologia de trabalho do grupo sindical, devem ser definidas no próximo dia 6 de maio, quando a CNV se reúne novamente com representantes dos trabalhadores em São Paulo.
Fonte – Rede Brasil Atual