Para prefeitura de São Paulo, identificação de desaparecidos na ditadura é prioridade

Secretário de Direitos Humanos, Rogério Sottili, afirma que pretende trocar nomes de ruas que homenageiam personalidades militares do período pelos de vítimas do regime

O cardeal dom Paulo Evaristo Arns, em cerimônia religiosa na Vala de Perus, em novembro de 1990 (Foto:Matuiti Mayezo/Folha Imagem)

O secretário de Direitos Humanos da prefeitura de São Paulo, Rogério Sottili, afirmou hoje (16) que é prioridade da atual administração a identificação de restos mortais de desaparecidos políticos durante a ditadura (1964-1985) que foram enterrados clandestinamente no cemitério Dom Bosco, em Perus, zona norte da capital.

Ontem foi assinado um protocolo entre a prefeitura de São Paulo, a Presidência da República e a Comissão Especial Sobre Mortos e Desaparecidos Políticos para a criação de um grupo que será responsável por ações de localização e identificação de mortos e desaparecidos políticos na cidade e também para identificar sítios, memoriais e lugares referentes à repressão do regime militar.

“A principal reivindicação dos familiares de mortos e desaparecidos é a retomada da identificação dos restos mortais e nós definimos que vamos fazer o que for necessário para esta investigação. Isso envolve esforços em relação a dinheiro e recursos físicos. Este é um compromisso do governo municipal”, disse Sottili.

Segundo o secretário, as principais prioridades do grupo criado ontem são a identificação de mortos e desaparecidos, a substituição de nomes de praças e ruas que homenageiam personalidades que participaram da ditadura, como o Elevado Costa e Silva, pelo nome de vítimas do mesmo período, e a construção de um memorial aos mortos e desaparecidos políticos no cemitério da Vila Formosa, na zona Leste, local onde também teriam sido enterrados, sem identificação, vítimas do período autoritário.

Sottili disse que a intenção da prefeitura é construir no cemitério um monumento para homenagear os mortos e desaparecidos. “Vamos discutir com os familiares qual será a melhor forma e o melhor projeto para isto e escolher um artista plástico para criar um monumento.”

Vala de Perus

Em setembro de 1990, foi descoberto no cemitério Dom Bosco, em Perus, uma vala comum com 1.049 ossadas em sacos plásticos e sem identificação, sendo a maior parte destes restos mortais atribuídos a pessoas enterradas como indigentes. No mês seguinte foi aberta uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Câmara para investigar o caso.

De acordo com a investigação da CPI da Vala de Perus, foram enterrados ali pelo menos 19 corpos de presos e desaparecidos políticos. Dez deles foram identificados com nomes falsos, adotados pelas próprias vítimas em função de estarem na clandestinidade, e pelo menos outros seis teriam sido colocados na vala comum.

Após a abertura da CPI, entre novembro e dezembro de 1990, familiares de mortos e desaparecidos tiveram acesso a arquivos do Instituto Médico Legal (IML) de São Paulo e, no mês de dezembro, foi assinado um convênio entre a prefeitura, o governo do estado e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) para que as ossadas fossem periciadas no extinto Departamento de Medicina Legal da instituição.

Segundo informações disponíveis no portal eletrônico da Unicamp, em 22 de março de 1991 foram exumados restos mortais que seriam de Hiroaki Torigoi, e em 8 de julho do mesmo ano foram identificados os restos mortais de Dênis Antônio Casemiro, Antônio Carlos Bicalho Lana e Sônia Maria de Moraes Angel Jones, mulher de Stuart Angel Jones, filho da estilista Zuzu Angel, os dois também mortos pela ditadura.

Em abril de 1991, a Unicamp também recebeu duas ossadas provenientes do cemitério de Xambioá (TO), que seriam de Maria Lucia Petit e José Luiz da Cunha, mortos durante a guerrilha do Araguaia (1972-1974).

Ainda conforme informações do portal da Unicamp, em 9 de setembro de 1991 foram exumados restos mortais que seriam de Luiz José da Cunha,  e no dia 25 de julho de 1992, a universidade identificou os restos mortais de Helber José Gomes Goulart, Frederico Eduardo Mayr e Emanuel Bezerra dos Santos.

Depois dessas identificações, nenhuma outra foi feita pela Unicamp entre 1992 e 1995, o que motivou protestos por parte dos familiares de desaparecidos e a realização de uma reunião em março de 1995 para exigir que a universidade prestasse contas sobre o andamento da perícias. Em 1996 a Unicamp identificou os restos mortais de Maria Lúcia Petit e no mesmo ano o médico-legista Fortunato Badan Palhares foi afastado da coordenação do Projeto Perus na Unicamp.

Em 1997, a Unicamp fez um laudo final sobre o trabalho de perícia nas ossadas encontradas em Perus e indicou a transferência dos restos mortais para o Instituto Oscar Freire, do Departamento de Medicina Legal da USP.

Após a identificação de sete das ossadas encontradas na vala de Perus, em um período de dez anos, a transferência dos restos mortais da Unicamp para São Paulo foi realizada em duas etapas, ambas em 2001, e para o Cemitério do Araçá, de acordo com informações do Jornal da Unicamp, de agosto de 2001. Na primeira, segundo o jornal, foram enviadas 50 ossadas, e na segunda, foram transferidas outras 994. O Departamento de Medicina Legal da Unicamp foi extinto em 1999.

 

Fonte – Rede Brasil Atual

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