Argentina fornece à Comissão da Verdade documentos do regime militar

Uma missão da CVN (Comissão Nacional da Verdade), liderada pelo pesquisador brasileiro Paulo Sérgio Pinheiro, teve acesso na Argentina a “sessenta e seis caixas cheias” de documentos que fazem referência ao regime militar brasileiro (1964 e 1985).

“São caixas cheias de documentos e todos em bom estado. Os documentos reúnem, por exemplo, correspondência diplomática. Qualquer pequeno telegrama pode ter pistas”, afirmou Pinheiro, em entrevista realizada na embaixada do Brasil na capital argentina.

“Vamos analisar todas as informações que fazem referência aos mortos e desaparecidos (durante o regime militar) e a estratégia de colaboração entre os países (naquele período)”, disse a assessora da comissão, Paula Ballesteros.

Pinheiro afirmou que os documentos estavam no Arquivo Geral do Ministério das Relações Exteriores da Argentina, classificados como “Brasil”. Ele disse, porém, que os papéis serão analisados e que devem ser digitalizados e enviados ao Brasil.

“Os laços do Brasil com a Argentina nesta área da verdade e da memória são muito antigos. Eles (argentinos) têm grande disposição para colaborar com o Brasil, tanto governo como entidades de direitos humanos”, disse Pinheiro.

Estima-se que onze brasileiros desapareceram na Argentina e seis argentinos no Brasil, entre 1974 e 1980, segundo comunicado da Comissão da Verdade. No texto, informa-se também que “outros cinco casos de brasileiros desaparecidos no exterior também serão investigados nos acervos argentinos”.

O comunicado afirma ainda: “A CNV não só buscará informações sobre os militantes desaparecidos, mas também solicitará buscas a respeito de 37 organizações políticas sujeitas a repressão e 17 órgãos de repressão e inteligência brasileiros que atuaram entre 1946 e 1988.”

“Acredita-se que documentos e registros produzidos pela ditadura brasileira possam estar espalhados em acervos fora do Brasil, como uma estratégia dos regimes autoritários para dificultar o acesso às informações”.

As pesquisas na Argentina, e em outros países da região, incluem a chamada ‘Operação Condor’, que foi um plano de coordenação de operações entre as cúpulas dos regimes do Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai, Bolivia, Chile e esporadicamente Peru e Colômbia.

“Nosso interesse é saber sobre os brasileiros atingidos por essas relações”, afirmou Pinheiro. “E estamos prontos a colaborar sobre argentinos desaparecidos no Brasil”, disse.

As sessenta e seis caixas com documentos foram reunidas a partir de solicitações do Brasil, como contaram Pinheiro e Ballesteros.

Pinheiro disse que a função da comissão brasileira é “esclarecer os fatos” enquanto na Argentina estão ocorrendo os julgamentos dos que já foram investigados.

“Evidentemente estes esclarecimentos podem ser usados por alguém no futuro (na área judicial). Mas nosso mandato é para esclarecer os fatos”, disse.

Eles contaram que foram acompanhados, em Buenos Aires, por dois pesquisadores brasileiros que, com apoio de especialistas argentinos, também tiveram acesso às caixas na Argentina.

Buenos Aires foi a primeira parada da missão da CNV, que visitará outros países da América do Sul, que também podem reunir documentos ligados ao regime militar no Brasil.

Da capital argentina, Ballesteros seguirá para Assunção, no Paraguai. A lista de países a serem percorridos inclui Chile, Peru, Bolívia e Venezuela, entre outros.

“Alguns documentos foram localizados. Entre eles os que fazem alguma referência a Tenorinho (músico do grupo de Vinicius de Moraes, seqüestrado quando se apresentava na Argentina). Mas não sabemos o que são documentos novos ou não”, disse Balleteros.

Prazo

Pinheiro disse ainda que a comissão espera concluir os trabalhos dentro do prazo inicial dado pela presidente Dilma Rousseff, que seria em julho de 2014. Mas, ele diz esperar que esse prazo seja ampliado até o fim do ano que vem.

“Acho que um dos efeitos da Comissão da Verdade foi consolidar o tema no debate público (no Brasil)”, afirmou. Ele diz entender que a Comissão abriu caminho para criação de outras comissões e para o que chamou de ‘levante da juventude’ – uma série de protestos realizados por jovens contra militares suspeitos de comportamento irregular durante o regime militar brasileiro.

Ele afirmou ainda que “não há limites” para a pesquisa dos casos da ditadura nesta relação de troca de informações com a Argentina. Além de reuniões com autoridades judiciais e do governo, como o ministro das Relações Exteriores da Argentina, Hector Timerman, a comitiva brasileira reuniu-se também com entidades de direitos humanos, como as Mães da Praça de Maio e Linha Fundadora.

 

Fonte – BBC Brasil

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