O vice-presidente do Tortura Nunca Mais de São Paulo e coordenador do projeto Armazém Memória, Marcelo Zelic, um dos principais atores na recuperação do material, concorda: “Jader de Figueiredo foi uma figura republicana superinteressante, apagada injustamente da história”.
Em 1977, uma comissão parlamentar de inquérito foi aberta na Câmara para investigar violações de direitos humanos dos índios. No ano anterior, o procurador que produziu o relatório morreu em acidente de ônibus, aos 53 anos. Perguntado se a morte do pai pode ter sido provocada por opositores, o filho considera: “Eu nunca tinha pensado nisso, eu tinha 14 anos incompletos na época. Pode ser. Meu pai morreu em um acidente que nunca foi esclarecido”.
Jader Figueiredo Júnior relembra o transtorno que a divulgação do relatório trouxe à família e diz que seu pai chegou a ser ameaçado de morte. “Ele sofreu atentados, foi perseguido por pistoleiros durante a investigação. Nossa família vivia sob segurança da Polícia Federal”, relembra. Ele destaca que o pai não era uma pessoa vaidosa e não gostava de aparecer. “Ele se indignava de pensar que seu trabalho podia ficar no ‘dito pelo não dito’. Viu muita injustiça, muita crueldade. E morreu na esperança de seu trabalho aparecer de novo, de algum jeito. Onde ele estiver agora, estará feliz”, acredita o filho.
Jader Júnior relata uma passagem que o pai costumava contar em casa, sobre uma índia que foi morta e cortada ao meio em público. Segundo ele, quando o procurador chegou à aldeia, encontrou a mulher amarrada entre duas estacas pelos pés, de cabeça para baixo, partida longitudinalmente ao meio por piques de facão. “O brasileiro costuma assistir a filmes de Hollywood onde cauboís matam índios e acha bonito. O que o americano fez com os índios foi brincadeira em relação ao que foi feito aqui. Lá foi uma matança, aqui foi genocídio. Uma coisa nazista, hitlerista.
E o brasileiro não tem consciência disso. Isso é uma coisa que o mundo precisa saber”, revolta-se o filho. A perplexidade do pai está indelével no relatório recuperado: “Os criminosos continuam impunes, tanto que o presidente dessa comissão viu um dos asseclas desse hediondo crime (assassínio de Cintas Largas, no Mato Grosso) sossegadamente vendendo picolé a crianças em uma esquina de Cuiabá (MT)”.
Catalogação
Marcelo Zelic também expressa grande alegria pela descoberta do documento. “Eu o achei inteirinho”, exclama o pesquisador, que percebeu que os papeis ilegíveis eram o famoso Relatório Figueiredo, que ficou batizado com o nome do procurador. Ele descreve que foi chamado ao Museu do Índio em agosto do ano passado para analisar documentação que estava em posse da entidade desde 2008 e havia sido catalogada em 2010. Das 62 páginas finais entregues ao ministro Albuquerque Lima pelo procurador Jader de Fiqueiredo, 15 estavam em estado precário de preservação.
O ativista garante, porém, que os trabalhos desenvolvidos pelo Museu do Índio, Tortura Nunca Mais de São Paulo, Comissão Justiça e Paz de São Paulo, Konoinia Presença e Serviço, Associação Juízes para a Democracia e Armazém Memória, com apoio da deputada Luíza Erundina (PSB-SP), conseguiu recuperar todas elas, que estão sendo catalogadas.
Dois dos questionamentos que o relatório pode suscitar são em relação a posse de terras, como a dos índios kadieus, em Mato Grosso, e a acusados de crimes não apurados. Em uma das páginas entregues a Albuquerque Lima, por exemplo, quatro nomes são citados como responsáveis por diversos crimes. São eles: Abílio Aristimunho, Acir Barros, Airton de França e Alan Kardec Martins Pedrosa.
Fonte – Diário de Pernambuco