“Hoje” é filme inusual no cenário de longas que recuperam período da ditadura militar no Brasil

Produção da diretora Tata Amaral, com Denise Fraga e César Troncoso, retrata o passado a partir do presente

César Troncoso e Denise Fraga em “Hoje”, de Tata Amaral. Trio participa de debate esta noite no CineBancários – Foto: H20 Filmes / Divulgação

 

No Brasil, mais do que nos vizinhos ao sul, a ditadura militar segue sendo um fantasma não exorcizado. Fonte inesgotável para a boa ficção realizada no país (Cara ou Coroa, de 2012, é um exemplo recente), o período volta como referência de um filme inusual nesse cenário. Hoje, que estreia nesta sexta no Espaço Itaú e no CineBancários, é uma rara produção ficcional a olhar o passado mantendo o foco no presente.

– Talvez seja a primeira a vislumbrar o regime, como o título diz, hoje, e não a partir de um flashback que reconstitui o que aconteceu à época – diz a diretora Tata Amaral.

Ao lado dos atores Denise Fraga e César Troncoso, ela estará no CineBancários para comentar a sessão das 19h30min. Atendeu a ZH por telefone, em meio à correria do lançamento, um dia após a pré-estreia de São Paulo e um dia antes da do Rio – o longa venceu o Festival de Brasília de 2011 e já foi debatido em Porto Alegre, no Festival de Verão de 2012.

O roteiro tem a mão do decano da crítica Jean-Claude Bernardet, a partir do livroProva Contrária, de Fernando Bonassi. Ambos foram parceiros de Tata no ótimo Um Céu de Estrelas (1996) e no nem tão bom Através da Janela (2000), dois dramas, assim como Hoje, rodados num espaço fechado a partir das tensões que envolvem um par de personagens – o que Bernardet chamou de “dramaturgia concentrada”.

– Gosto de explorar o desenvolvimento dos conflitos a partir de algo mínimo, de puxar o fio dramático de um simples fiapo – explica a diretora. – Vejo na obra do Fernando (Bonassi) algo propício a isso.

A trama de Hoje se passa num único dia, quando uma mulher (papel de Denise Fraga) se muda para um apartamento no centro de São Paulo. Ela e o companheiro (o uruguaio Troncoso, de O Banheiro do Papa) eram militantes políticos. Ele foi assassinado pelos agentes do governo, crime reconhecido com a promulgação de uma lei, em 1995, que dá como mortos os presos pelo regime que desapareceram sob custódia entre 1961 e 1979 e concede uma indenização aos seus familiares. É com o dinheiro dessa indenização que ela compra o imóvel. E, culpada, passa a ver o fantasma do homem – e a interagir com ele – na nova casa.

Os diálogos entre eles têm um ar de acerto de contas, que culmina com a leitura de documentos relativos ao caso, numa bela sequência em que seus rostos são encobertos por projeções de imagens da época. “E se eu voltasse?”, ele pergunta, de maneira retórica, sabendo que sua presença, ali, é uma ilusão. “Você teria de devolver o apartamento.” O silêncio dela é revelador – de que o tempo passou e o trauma foi superado, mas de um jeito torto e mais dolorido do que poderia ter sido.

Diz Tata Amaral:

– Temos de falar mais sobre o período. No Brasil, diferentemente do Chile e da Argentina, onde torturadores pagam por seus crimes, escondemos nossos problemas embaixo do tapete. É um erro. Se hoje aceitamos a violência oficial e os abusos policiais, não é por acaso. Enquanto falamos, alguém está sendo coagido, torturado ou mesmo assassinado em um beco.

Hoje é muito atual. Pertinente, contundente e, além de tudo, emocionante.

Hoje
De Tata Amaral.
Com Denise Fraga, César Troncoso e João Baldasserini.
Drama, Brasil, 2011. Duração: 87 minutos. Classificação: 12 anos.
Estreia nesta sexta-feira no Espaço Itaú e no CineBancários (que sediará sessão comentada com diretora e elenco, às 19h30min).
Cotação: 4 de 5

 

Fonte – Zero Hora

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