Vencedor do prestigiante Prémio Alfaguara 2012, «Numa Mesma Noite», do argentino Leopoldo Brizuela, retrata a Argentina da ditadura, mas também dos nossos dias. Entre o medo, a angústia, a inércia e a memória, uma obra que dificilmente deixa o leitor indiferente.
De certo modo, «Numa Mesma Noite» é um livro que marca a história colectiva da Argentina, do seu passado, mas também do seu presente. Joga com a insegurança, o temor do destino, um medo depositado em forças que muitas vezes são irracionais e, deste modo, incompreensíveis.
Temos no interior das suas páginas duas noites marcantes para o protagonista: uma em 1976, quando a junta militar sequestra a vizinha judia, com a ajuda do pai; outra ocorrida em 2010, com o beneplácito do escritor e professor Leonardo Bazán.
Apesar dos 34 anos que separam uma noite da outra, há semelhanças entre os dois acontecimentos. E essas semelhanças acabam por fazer com que o escritor Brizuela e o personagem Bazán escrevam/reflitam sobre a História recente da Argentina, uma História onde o medo impera. Não é por acaso que a frase chave do livro é «Se me tivessem intimidado a depor, penso», uma frase que inicia desde logo o romance, mas que surge ao longo da obra.
«Depor». Depor é o que Bazán acaba por fazer ao longo de «Numa Mesma Noite», que navega entre dois tempos, com a memória a ter um papel preponderante na sua narrativa, a memória abandonada, presente, ignorada ou supostamente esquecida.
Brizuela escreve sobre o terror da ditadura militar, quando os militares invadiam as casas e sequestravam os seus moradores, que, na sua maioria, já não regressavam. O argentino explora com precisão um sentimento que ainda hoje perdura na sociedade civil, o medo que assola qualquer povo, seja em tempos de ditadura ou inclusive em tempos de democracia, ainda mais quando uma crise, esta ou qualquer outra, faz com que para muitos não haja o amanhã, mas apenas o agora.
Brizuela expõe com dureza o que foi a ditadura militar, quando vizinhos entregavam outros, traições eram o pão nosso de cada dia, denúncias eram manipuladas, intimidações assolavam tudo e todos. Brizuela não inocenta ninguém, cada um tem a sua culpa, seja uma culpa efectiva ou por mera passividade. E esta culpa é ainda maior quando o pai participa dos próprios meios nefastos do até então sistema vigente.
É ténue a linha que separa Bazán e Brizuela, que procura na escrita a sua salvação, mas também a do personagem principal. A escrita, a palavra surge aqui como a diferenciação entre o real e o imaginário, ainda mais quando temos duas noites separadas por cerca de três décadas.
«Numa Mesma Noite» comprova o valor de Leopoldo Brizuela, que conduz com cuidado o leitor até o protagonista pisar o ESMA, o principal local de tortura da Ditadura, o ponto fulcral do livro. Uma obra definitivamente importante em termos sociais, já que procura refletir sobre temas que supostamente estão enterrados mas que na verdade pairam ainda hoje nas sociedades que viveram in loco os regimes ditatoriais.